UM AMOR ESPECIAL

Daniella não era simplesmente uma garota, uma colega de escola, não era apenas mais uma a fazer parte das minhas amizades quando cursava o ginasial nos idos anos sessenta, ela era especial, o seu semblante demonstrava isso e eu sabia perfeitamente dessa sua qualidade. Ela se emocionava com qualquer coisa por mais simples que fosse, tinha o dom da sabedoria, sabia ser elegante e amiga. Tirava boas notas e era sempre solicitada para tirar algumas dúvidas perante os colegas de classe, todos recorriam aos seus serviços de ajuda quando as matérias precisavam de um empurrãozinho, ela dominava o assunto e deixava os colegas satisfeitos com o seu ensinamento, nós a comparávamos a uma segunda professora.

Foram quase três anos freqüentando a sala de aulas com a sua presença até que num fatídico dia, já no final do ano, soubemos que Daniella não mais estaria conosco, ela precisaria se afastar dos estudos para se submeter a um tratamento de saúde em outro estado, o que fez desmoronar todo o nosso encanto por essa criatura fora do comum. Sem ela não saberíamos como nos comportar, como seriam os dias sem a sua presença? Quem nos ajudaria nas dificuldades que geralmente tínhamos? Isso nos preocupou e muito, principalmente a mim, que via no seu olhar algo diferente, algo especial como ela, tudo nela era especial, Daniella não se preocupava com nada, absolutamente nada, nem com algum xingamento de algum invejoso com a sua habilidade no tocante a esclarecer nossas dúvidas nos assuntos escolares. Confesso que fiquei mais preocupado do que meus colegas, mas isso era um assunto estritamente pessoal, existia algo entre nós, entre eu e Daniella, que um dia teria que ser resolvido e que agora eu estava vendo tudo ir de água abaixo.

Chegou finalmente o fim do ano, a alegria era imensa na escola, todos se preparando para as provas finais, meu coração não me deixava compartilhar com aquela alegria com mais entusiasmo, apesar do meu fingimento, que tudo fazia para não demonstrar a minha tristeza com a falta que Daniella faria na minha vida. Os colegas até estranharam a minha atitude e até brincavam dizendo que eu admirava aquela figura que ora estava prestes a nos deixar, meu coração parecia querer pular fora do peito. Mas eu me contive procurando ser forte, o que estava sendo muito difícil. Muitas noites, na solidão do meu quarto, eu imaginava palavras a dirigir para Daniella, só me faltava disposição para encará-la e falar toda a verdade. Será que eu conseguiria? Pensava, repensava, sonhava com ela, tinha vontade de beijá-la no sonho, mas nem assim tinha coragem. Eu sabia, tinha quase certeza, que ela também tinha uma admiração por mim e talvez lhe faltasse a mesma coragem que faltava em mim. Acho que nós dois estávamos esperando o momento oportuno para essa tomada de decisão, mas com essa novidade da sua viagem para tratamento de saúde tudo se complicou e eu não tinha ideia de como resolver essa questão de um amor guardado que precisava ser posto para fora e tudo ser resolvido numa boa. Caso ela aceitasse seria muito bom para nós, porém se essa minha impressão fosse apenas um pensamento vazio, não sei como me comportaria dali para a frente.

Sofri demais com a sua ausência na escola no ano seguinte, a nossa despedida foi praticamente coletiva, nossos colegas se reuniram e desejaram boa sorte para Daniella, alguns até choraram e eu para não ficar de fora também chorei, só que minhas lágrimas foram mais sensíveis e no peito uma grande dor. Conversamos bastante antes dela dar o último adeus, foi maravilhoso, apesar de ser um momento triste. Tentei a todo custo me controlar, mas estava sendo dífícil, eu até percebi em seu olhar que algo estava diferente nele, vi duas lágrimas rolarem discretamente em suas faces, o que me comoveu mais ainda. Todos apertaram suas mãos, um de cada vez, eu fiz questão de ser um dos últimos e foi nesse momento que ao tocar suas macias mãos notei que estavam frias. Docemente ela me abraçou e sussurrou ao meu ouvido: nos veremos. Aquilo me deu uma certa esperança, o que me deu coragem para "sobreviver" sem a sua presença.

Os anos se passaram, namorei algumas garotas, mas nada de especial aconteceu na minha vida, continuei pensando naquele amor, o qual fiquei imaginando que somente ele seria possível dar-me a felicidade que tanto desejava. Nunca deixei de sonhar com Daniella, ela sempre povoava meus sonhos. Já fazia quase dez anos quando encontrei um velho companheiro dos tempos de escola que foi da nossa turma, ele me falou com tristeza que soube do falecimento de Daniella, depois da cirurgia que precisou fazer durante o tratamento de saúde, infelizmente ela não havia resistido. Aquilo me chocou profundamente, me abri com ele e contei toda a verdade. Nos despedimos e prometemos um novo encontro qualquer dia desses. Saí tão abalado que resolvi parar próximo a um lago num local praticamente deserto para refazer as minhas energias, estava precisando. Foi nesse momento que vi um vulto se aproximar, eu estava sentado em uma pedra pensando no que fazer dali por diante. Era uma figura feminina e para meu espanto era Daniella, que sorria para mim. Pensei naquele "nos veremos" que ela disse para mim no momento da despedida na escola, anos atrás. Chorei copiosamente vendo-a chegar perto de mim e tocar meus cabelos, eu imaginei estar em transe, mas percebi que tudo era real e que não estava sequer sonhando. Aquelas mãos macias eram as mesmas, aquele corpo sedutor que tanto me seduziu era o mesmo, dava a impressão de que o tempo não mexera com ele, aquele olhar de quem desejava dizer algo era idêntico ao dos tempos da escola e meu coração acelerou, disparou com toda a velocidade que podia. Sinceramente, eu não me sentia em mim, era como se estivesse sonhando acordado e ciente de que tudo aquilo era real. Fiquei tão emocionado que nem percebi quando ela se afastou, o que me entristeceu. Voltei para casa triste e nos dias seguintes voltei a freqüentar o mesmo local, porém nunca mais a vi novamente.

Moacir Rodrigues
Enviado por Moacir Rodrigues em 18/02/2024
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