O Chafariz de Aparições (Sonho Brasiliense)

Passando pelo eixo monumental, voltando para casa, percebi uma estranha agitação de pessoas na porta da frente do Banco Central, além de um barulho terrível que se assemelhava a um trio elétrico. "Protesto de funcionários públicos", pensei. Tão comum em Brasília como mendigos em São Paulo ou no Rio de Janeiro. Mas não era um protesto de funcionários públicos. Por algum motivo que desconhecia, me senti atraída para o meio da multidão, daquela turba de pessoas hipnotizadas. Ouvi uma voz familiar, alta, um timbre de violão que era também bastante familiar; era uma banda.

- Essa daqui vocês conhecem, sai do chão Brasília! Quando nascemos fomos programados a receber o que vocês nos empurraram com os enlatados...

Era o Legião Urbana. Com Renato Russo, com seu violão, seu óculos indefectível. E o pessoal realmente saiu do chão, todos pulando frenéticamente ao som do refrão: "Somos os filhos da revolução, somos burgueses sem religião; somos o futuro da nação: Geração Coca-cola!". Meus olhos brilharam, quase tive um ataque cardíaco e desmaiei. Ia ser pisoteada. Mas era verdade, Renato Russo e o Legião tocando em frente ao Banco Central. Tirei da carteira um cigarro, e ele magicamente se acendeu sem que nele tocasse. Foi quando vi uma grande amiga que há muito não via pessoalmente: Sarah, encostando numa grade, balançando os cabelos cacheados e com um sorriso de canto a canto da boca.

- Para de fumar! Ela me disse, como se o show do Legião Urbana fosse uma coisa comum, como se o Legião não houvesse acabado a séculos. Ela somente sorria.

- Sarah!!! Acorda, como assim cara, Legião Urbana? Em frente o Banco Central? Que mundo é esse? Senti que estava de boca aberta, e hipnotizada desde o momento que reconheci a banda. Sarah nada me respondeu, virou de costas e continuou a apreciar o show.

Do outro lado da grade pude reconhecer outros colegas de ensino médio: Rafaela, Camilla... Todos com aquele ar de "estou em um show comum".

Foi quando o ritmo baixou, e começou a tocar "Pais e filhos". Renato Russo olhou para mim, e me chamou. Atendi, fui cantar com ele, junto com toda a platéia, em coro: "É preciso amar, as pessoas como se não houvesse amanhã...". Foi emocionante; chorei. Cantei abraçada a ele, e a outras pessoas que simplesmente pularam a grade. No fim da música Renato anunciou:

- Vocês são demais! É realmente uma honra estar de volta a Brasília depois de tanto tempo... Tchau, brigado!

E às 4 da tarde ele se foi, levando a mim e mais duas meninas bastante jovens, nos braços. A turba louca simplesmente tomou seu rumo, como se nada tivesse acontecido.

Na parte de trás do Banco Central, Renato nos disse:

- Vocês são lindas, maravilhosas.

Aquilo me assustou. Pensei que ele tivesse um namorado... E os chafarizes do Banco Central estavam novamente ligados, mas ontem mesmo estava sem água, e há tanto tempo...

Foi então que acordei, assombrada e risonha. Ri de mim mesma. Eram 11 horas da manhã e havia louça pra lavar.