Amigos,
O título de uma música do Cantador Elomar Figueira me encanta:

"Patra Véa do Sertão", do disco "Árias Sertânicas".

Se traduzirmos para o linguajar urbano, ficará "Pátria Velha do Sertão", ou seja, minha velha e querida terra natal, meu berço, minha origem, minha raiz.

Pensando nesse belo título, resolvi criar dois motes e, depois, desenvolver, a partir deles, uma série de glosas.

Eis aqui o trabalho, que dedico, com todo o respeito, ao Mestre Elomar Figueira.


Patra Véa do Sertão

Compadre Lemos

Mote 1:

"Eu vô cantá minha terra,
Patra véa do Sertão!" 
( Compadre Lemos)

Mote 2:

Minha Terra, meu lugá,
Patra véa do Sertão!

( Compadre Lemos)

Inspirados no título da música "Patra Véa do Sertão" do disco "Árias Sertânicas" de Elomar Figueira.

Mote 1 - Glosas:


Sinhôres dono da casa,
Cantadô pede licença
Pra qui, na vossa presença,
Puxá sua viola rasa!
O meu verso nun se atrasa
Vem chegano, in carrerâo,
Boi turuna e barbatão,
Cuma quem chega da guerra...
Eu vô cantá minha terra,
Patra Véa do Sertão!


Inconto eu tivé cantano,
A benção eu peço a Deus:
Vigiai os verso meus,
Nos causo que vô contano,
Pois, sem Ele, nun tem prano
Qui dê metrificação
Mode fazê Lovação
E o cantô os verso incerra...
Eu vô cantá minha terra,
Patra Véa do Sertão!


Eu vô cantá a sodade
Dos amô qui nunca tive.
Vô catá tudo que vive,
Mais só dizeno verdade.
Vô contá filicidade
Sufrimento e afrição
Vô catá chuva no chão,
O verde, no pé da serra...
Eu vô cantá minha terra,
Patra Véa do Sertão!


Eu vô catá as canturia
Qui oví dos cantadô,
Os cégo, qui Deus tirô
Essa luz qui alumia!
Eu vô cantá a Puisia
Dos abôio alto e são,
Das festa de Apartação,
O chôro do boi qui berra...
Eu vô cantá minha terra,
Patra Véa do Sertão!


Eu vô cantá uma viola
Qui meu pai sempe tocava!
Os fio, junto, catava,
Acabô virano iscola!
Minha Mãe, toda gabola
Trazia café cum pão!
Sodade, no coração
É curtina, qui dicerra...
Eu vô cantá minha terra,
Patra Véa do Sertão!


Eu vô cantá os vaquêro
Nun sei se lembro ês tudo:
Zeduardo, Narigudo,
Zé Crau, Totõe e Ribêro,
Maraca, Zé Bóge e Chêro,
Palitó, Véi e Zelão,
Quilimero e Julião,
Se a memóra nun erra...
Eu vô cantá minha terra,
Patra Véa do Sertão!


Vô cantá as moça bunita
Das festa lá da Ribêra:
Tôinha, Lindaura e Gêra,
Dasdôres, Maria Rita,
Filozinha, Ispedita,
Madalena e Cunceição,
Darlene, lá do São João,
Qui mudô pás Inglaterra...
Eu vô cantá minha terra,
Patra Véa do Sertão!


Eu vô cantá os apilido
Dos minino do lugá:
Zé Bodin, Tó, Piruá,
Tõe Linguiça e Né Lambido,
Prefumo, Zói, Juca Dido,
Birosca, Côco e Furão,
Tramela e Chico Babão,
Boi Brabo, qui nun se ferra!...
Eu vô cantá minha terra,
Patra Véa do Sertão!


Pois as fulô mais fermosa
É as qui tem no terrêro:
A dália, qui vem premêro,
Copo de leite e a rosa,
Alicrin, fulô cherosa,
Nascida no meu portão,
Apois, o meu coração
Elas tudo disinterra...
Eu vô cantá minha terra,
Patra Véa do Sertão!


E as cumida, tão boa
Feita no fugão de lenha!
Nun hái cidade que tenha
Traíra, numa lagoa,
Farinha branca, alemôa,
Pra si cumê cun fejão,
Arroz cum manjericão,
O istômbo inté disinperra!...
Eu vô cantá minha terra,
Patra Véa do Sertão!

Mote 2 - Glosas:


Eu peço licença, agora,
Mode no mote mexê.
Mudo a rima, e quero vê
Se a puisia colabora.
Inhantes deu i mimbora,
Mexo no seu coração.
Te dêxo cas emoção
Só quereno rescordá...
Minha terra, meu lugá,
Patra Véa do Sertão!


Eu pedi, cês aceitáro,
E o mote mudifiquemo.
Apois nóis fumo e vortemo,
Sazórde, Sêo Cantadô!
Vamicê, seno Dotô,
Havéra de tê rezão,
O mote véi era bão,
Mais difíci de rimá...
Minha terra, meu lugá,
Patra Véa do Sertão!


Agora ficô mió,
Ca licença do sinhô!
Todo mundo concordô
É rima, de fazê dó!
Numa fôia de coió,
Pingo dágua móia não!
Seu nun vortá pru meu chão,
Meu ói é qui vai moiá!...
Minha terra, meu lugá,
Patra Véa do Sertão!


Tô morreno de sodade
Da casa qui eu dexei:
Barro branco, bom istêi,
Madêra de colidade!
Era um ranchin, na verdade,
Mai feito pru minha mão,
No terrêro, dois moirão,
Pá burro brabo amansá...
Minha terra, meu lugá,
Patra Véa do Sertão!


Uma festa das mió,
Nas lembrança queu carrego
É o São João, eu nun nego,
Principalmente o forró!
Salão cum luz de fifó
Luiz tocando baião,
Pru céu subia balão,
Fuguêra, pa nóis pulá!...
Minha terra, meu lugá,
Patra Véa do Sertão!


E lá, inté as duença
Era fáci de dizê:
Curadô vinha benzê
E nele nóis tinha crença!
Ele sabia a ciênça
Pa curá toxicação,
Dordói, lumbago, inchação
Sem reméidio nóis tomá...
Minha terra, meu lugá,
Patra Véa do Sertão!


Pur isso qui canto agora,
Já qui ando tão distante!
O chôro sai, num rompante
Sem querê, meus óio chora!
Dessa terra eu vô mimbora
Aqui nun fico mai não!
Vô inté de caminhão,
Pois perciso reincontrá...
Minha terra, meu lugá,
Patra Véa do Sertão!


Pueta, ocê nun chora,
A móde qui sufrimento
É do póbe o alimento
Qui Deus dá a toda hora!
Eu tomém já vim mimbora
E amargo sulidão
Sodade desse meu chão,
Mais um dia vô vortá...
Minha terra, meu lugá,
Patra Véa do Sertão!


Apois, caxão eu nun quero,
Pruquê caxão é fechado.
Eu quero é vortá muntado
Bunito, fazendo léro!
Dançano xote e boléro
Nas festa de apartação,
Iscuitano Gonzagão,
Tocano, a móde sodá...
Minha terra, meu lugá,
Patra Véa do Sertão!


Meu amigo, em minha terra
Todo mundo é de arguém:
João de Nena, Tó de Ném,
Zé Tôco de João da Serra,
Zé de Máro foi pra guerra,
Só ficô Zé de Tonhão,
Qui sodade, meu Patrão,
Mai cuma é bão relembrá...
Minha terra, meu lugá,
Patra Véa do Sertão!


Maria de João Filinto,
Donana de Seu Alfredo,
Julinha de Azevedo,
Letiça de Cosmo Pinto,
Rosalva de Zé do Cinto,
Dasdô de Sá Cunceição,
Morena de Damião,
É gente tudo de lá...
Minha terra , meu lugá,
Patra Véa do Sertão!


Pru lá nós nun tem dotô,
Móde é longe da cidade!
Nós duece, na verdade,
Se trata é cum curadô!
Garrafada ocê tomô,
Nôto dia já tá bão,
Chá de fôia de limão
As bronquite vai curá...
Minha terra, meu lugá,
Patra Véa do Sertão!


Pisadura de cangaia,
Ô ispinhela caída,
Cum trêis ô quato binzida,
Nun tem bicho que nun caia!
E nós só faiz a mortaia
Si nun tem jeito mai não!
A fé de Frei Damião
Faiz difunto alevantá!...
Minha terra, meu lugá
Patra véa do Sertão!


Na cidade é deferente
Eta povo qui duece!
É um tár de NêPêÉsse
Uma fila no só quente!
Aí, o póbe duente
Cai duro, feito um mamão,
Dali já sai pu caxão,
Desse jeito, anssin, nun dá...
Vô vortá pu meu lugá,
Patra Véa do Sertão!!!


Das moça qui eu namorei
Sodade tenho dimais!
Isso foi tempos atráis
Conto tempo, eu já nun sei!
Mais iscuita, eu já falei:
Num marro meu coração,
Ôtas moça, quero não,
Só caso quano eu vortá...
Minha terra, meu lugá,
Patra Véa do Sertão!


Tinha a Rosa de Donana,
Foi quato ano, cum ela!
Pituxa, de Vó Zabela,
Sete mês e uma sumana,
Uma ôta... Sebastiana,
eu quaje pidi a mão!
Mais dispois deu certo não,
As razão, dexa pra lá...
Minha terra, meu lugá,
Patra Véa do Sertão!


Vô fazê uma grande festa
Quano eu vortá pra casa!
Batata assada na brasa,
Viola, coco e seresta!
A isperança qui mi resta
É nun morrê nesse chão,
Chão de asfarto, sulidão,
Queu nun quero carregá...
Minha terra, Meu lugá,
Patra Véa do Sertão!!!


Apois, eu digo, contente,
A Bênça, Sêo Duda Basto!
Puéta bão no arrasto
Dos vélso de um Repente!
Apois cê canta cum a gente,
Sem percisá sombração!
E vai jogano aí no chão
O que cê trôxe de lá...
Minha terra, meu lugá,
Patra Véa do Sertão!


Ocê trôxe a Mandureba,
A pinga da mió cana,
Trôxe pimenta baiana
Pá temperá tatu peba!
Sodade da minha gleba
No tóco do violão!
Trôxe farinha e fejão
Sem grotóxco, naturá,
Minha terra, meu lugá,
Patra Véa do Sertão!


Pois aqui cê tá in casa,
Na Casa dos Cabrunquento!
Arrêa seu sentimento,
Qui os coração tá in brasa!
Da viola o vélso vaza
Nóis iscuita cum atenção
Canta Ligêra e Moirão
Qui ninguém vai te calá...
Minha terra, meu lugá,
Patra Véa do Sertão!


Mais cadê meus cumpanhêro
Qui cantava lá mais eu?
Pra donde se suverteu,
Que sodade dos terrêro!
Zé Crau, um Véi Violêro,
Qui mi insinô a missão,
Alêxo, ôto irirmão,
Nun sei onde foi pará...
Minha terra, meu lugá,
Patra Véa do Sertão!


Sivirinin, um rapazola,
Namorava Faviela,
O namôro, uma novela,
Tirô ele da iscola,
Cabô tocano viola
Pra ganhá o coração
Da môça, qui, sem tenção,
Cum ôto foi se ajuntá...
Minha terra, meu lugá,
Patra Véa do Sertão!


Meu Pai mandô qui eu isse
No Nazaré das Farinha,
Móde vê minha Madinha,
A Bênça a ela eu pidisse!
Pois foi ela qui mi disse:
Sivirinin tá cum Cão...
Perdeu compreto a Razão
Nun sabe nem mais tocá...
Minha terra, meu lugá,
Patra Véa do Sertão!


Eu se alembro da Dismancha,
Numa casa de farinha!
No rebôlo, João de Ninha,
Cabra macho, que dislancha!
Mandioca branca, sem mancha,
No ralo, Zé Capitão,
Na tacha, Tonha e Zelão,
Bota lenha, pra torrá...
Minha terra, meu lugá,
Patra Véa do Sertão!



Farinha cum rapadura,
Farinha cum mé de cana,
Farinha inté cum banana,
Farinha tem, cum fartura!
Farinha in corqué mistura,
No bolo, no meu pirão,
Ô mêrmo só cum fejão,
Farinha nun vai fartá...
Minha terra, meu lugá,
Patra Véa do Sertão!


Cumpade falô in chuva
Marejô os zóios meus,
Pois é a prova qui Deus
Nun dêxa a terra viúva!
Nossa mão nun carça luva
E calo tem de montão,
Mais in nosso coração
A gratidão tem qui tá...
Minha terra, meu lugá,
Patra Véa do Sertão!

E a coisa mais bunita
Qui um cristão pode vê
É as núve aparicê,
Trazeno a chuva bendita!
Intonce o home aquerdita
No Santo de devoção:
São Jusé, Sinhô São João,
E em Deus, no Seu Artá...
Minha terra, meu lugá,
Patra Véa do Sertão!


Aquerditano, ele parte,
Nas mão levando a inxada,
Chama toda a fiarada
Insinando sua arte!
Prantano, ele reparte,
Cum eles, a prufissão
De sê prantadô, no chão,
Móde a vida sustentá...
Minha terra, meu lugá,
Patra Véa do Sertão!


Meus fiin, qui era in doze,
Me alembro, cum sodade:
Zeferino, Soledade,
Maria, Valdete e Rose,
Trajano, qui tinha pose,
Luizin, Maneco e João,
Heleninha e Cunceição,
Eu nun quis trazê pra cá...
Minha terra, meu lugá,
Patra Véa do Sertão!


Rosinha, minha patroa,
Tumano conta dês tudo!
Coração chega tá mudo,
É sodade, qui atordôa!
No chão seco da lagôa
Inda luita pelo pão!
Mi discurpa, meu patrão,
Hoje mêm vorto pra lá...
Minha terra, meu lugá,
Patra Véa do Sertão!


Terminano, eu agradeço
A Meu Deus, tão Poderôso,
Qui mi dá aligria e gôzo
E coisa qui nun merêço!
De cantá, derna o cumêço,
Cum respeito e devoção,
Êsses mote munto bão
Do meu Cumpade Elomá...
Minha terra, meu lugá,
Patra véa do Sertão!

A vamicê, qui leu tudo
Deus tomém te abençôa!
Do meus verso nun caçôa
O qui mi farta é o istudo!
Se, cum meu canto eu ajudo
Acarmá seu coração,
Que Deus traga sua benção,
Móde nóis sempre alembrá:
Minha terra, meu lugá,
Pátra Véa do Sertão!...


***

Ao Mestre Elomar Figueira Mello, o mais nobre dos cantadores baianos, o meu mais profundo respeito e a minha eterna admiração! Salve, Mestre!...