Cordel do outro mundo

Era uma vez, num passado remoto,

Havia um rei, num reino distante,

Que todos os dias e a todo instante,

Queria que o povo lhe fosse devoto.

Coitado do pobre que não lhe desse voto!

Era perseguido até o fim do mundo.

E pra maltratar, e pra doer fundo,

Fazia de tudo para humilhar.

Bastava o caboco se aposentar

Pra ele dizer que era um vagabundo.

Era um rei covarde e também traidor.

Traía até os correligionários.

Pegava o dinheiro dos empresários

Para derrotar o seu opositor.

Mas deixa que ele, pra cada valor

Que entrava no caixa, tirava uma cota.

Pensava consigo: “E se o povo não vota?

Perco a eleição, mas tenho o caixa dois.

De qualquer modo, uns meses depois,

Compro uma fazenda com o Sérgio Motta.”

Então, no seu reino, era assim o esquema:

Com muito dinheiro, ganhou a eleição,

Comprou a fazenda e fez um casarão

Com sobra de caixa do velho sistema.

Posava de santo, rezava novena

Com Jader Barbalho, ACM e Arruda.

Mas deixa que ele, quando a coisa muda.

Foge de fininho pra não levar fama.

Deixa seus amigos rolando na lama.

Muda sua reza, medita pra Buda.

O sujeito falso, é assim que ele faz:

Troca de discurso conforme o freguês.

Fica submisso falando em inglês

E é prepotente com o povo de paz.

Já foi professor e agora desfaz

Dessa profissão com raiva e com ira.

Um homem que contra os colegas conspira

E todo arrogante os chama de coitados

Não é mais um homem. É desenganado.

Não é brasileiro, nem é caipira.

Assim, nossa terra tá desgovernada.

De fato, quem manda é rico estrangeiro.

Controla o trabalho, a cultura, o dinheiro.

Em grandes fazendas, ninguém planta nada.

Por isso os sem-terras pegam na enxada,

Derrubam a cerca e plantam o alimento.

E criam escolas nos acampamentos

Pra mostrar aos filhos quem é que produz,

Quem planta o milho e quem faz o cuscuz.

É esse o perigo do conhecimento.

O povo sabendo que é ele que cria,

Vivendo no mundo com terra à vontade,

Não vê mais sentido na propriedade,

Pois tem mesa farta de noite e de dia.

Trabalha um período e no outro é folia,

E pode ter descanso e sonhar com um futuro

Sem cercas nem trancas nem grades nem muros.

E faz sua arte sem travas morais.

Tudo que oprime esse povo desfaz.

E cria outro mundo mais justo e seguro.