PRIMEIRA VIAGEM
Eu conto hoje o meu segredo:
Junto ao toco da porteira
escrevi o meu enredo,
sob a sombra da paineira,
- era curva de caminho,
sobre a grama fiz meu ninho,
ali tive a vez primeira.
Um fungado em nossa orelha,
os beijos sem endereço,
gemendo, o berro da ovelha,
( sem ter nexo, reconheço, )
traça a medida da dor,
da vergonha, do pudor
que sentimos no começo.
Como curva de caminho
numa primeira viagem
não tem tempo de carinho,
nem se percebe paisagem...
Matéria prima de pedra,
qualquer coisa a gente medra,
qualquer espaço é barragem.
Qualquer coisa é contratempo,
o vento escreve os temores,
a brisa acelera o tempo,
entre beijos e clamores,
suspirando a vez primeira,
desejando a vida inteira
viver somente de amores.
Fica a mancha da saudade
de uma etapa assim queimada
na faminta puberdade
de um fazer de um quase nada.
Se o tempo pra nós voltasse
e de novo a gente amasse
eu dobrava a madrugada.
Como se fosse criança,
feita em sonhos, a saudade,
costura um fio de esperança
- lá da roça pra cidade,
junta mundos em segundos,
num cruzamento, fecundos,
nasce de novo a vontade.
A primeira viagem dói,
deixa marca em nossa vida,
muita coisa ela destrói,
faz buraco, faz ferida
puxando nosso pensar,
fazendo a gente voltar
para uma etapa perdida.