Peleja da Saudade entre Dr.Marcos Filho e João Rolim
"Marcos Filho, cearense do sopé da Chapada do Araripe, cidade do Crato, é odontólogo e poeta."
Marcos Filho: Se hoje canto já sei qual a razão
Só não sei qual o mal que consumei
Me perdi? Ou será que me encontrei?
Eu nem sei se o fator tem solução
Seu dotô, me ajude meu irmão
Utilize farmáco ou biologia
Ache em mim a tal etiologia
Para o mal que me assola desse jeito
Já não vivo feliz nem satisfeito
Eu só sinto saudades todo dia.
João Rolim: Eu já sei qual que é o teu tormento
É tristeza que atinge e que te assola
Não existe, no mundo, tal escola
Que consiga dar esclarecimento
Pois eu sei: tua dor é sofrimento
Um aperto que vira essa agonia
É de amor que faleces de azedia
De razões que se embrenham no teu peito
Tu não vives feliz, nem satisfeito
Vais sentindo saudades todo dia.
MF - Não entendo de amor e sentimento
Pra saber se estou apaixonado
Se é essa minha sina, meu legado,
Só aumenta bem mais meu sofrimento!
Não precisas ouvir o meu lamento
Pois tu és dotô em semiologia
Pra acabar esse aperto e agonia
Só a noite na hora que me deito
Já não vivo feliz nem satisfeito
Eu só sinto saudades todo dia.
JR - Eu também já sofri desilusão
Hoje guardo um aperto no meu ser
Essa dor que me vem fazer sofrer
Não se esvai, não me deixa o coração
Foi carinho, foi dengo e foi paixão
Uma história de amor e poesia
Ontem éramos sedentos de alegria
Hoje sou só a dor que está no leito
Já não vivo feliz nem satisfeito
Eu só sinto saudades todo dia.
MF - Minha sorte é que ainda tenho ela
Minha luz, minha alma, minha mente
Apesar desse coração carente
Me acalmo ao ouvir sua voz bela
Canto aqui meu sofrer numa aquarela
De distância, de cores e magia
Não a ter ao meu lado é covardia
Mas um dia esse amor vai ser perfeito
Já não vivo feliz nem satisfeito
Eu só sinto saudades todo dia.
JR - Outra cousa me faz muito infeliz
São saudades que sinto de vozinho
Zé Rolim, que nos deu tanto carinho
Foi pro céu nos deixando cicatriz
Mas aqui foi crescida uma raiz
Que se espalha pro mundo em alegria
Gente simples, de amor e valentia
Declamá-lo, em cordel, eu aproveito
Já não vivo feliz nem satisfeito
Eu só sinto saudades todo dia.
MF - Hoje fui, ao doutor colega teu,
Disse o causo e ouvi a sua tese.
Adispois que ele fez anamnese,
Vo dizê a resposta que me deu:
Companheiro, esse tar problema seu,
Não é fébre nem é patologia.
Se tu tens em teu ser sabedoria
Saberás qual que é o teu defeito
Já não vivo feliz nem satisfeito
Eu só sinto saudades todo dia.
JR - Patativa, o Poeta do Sertão
De Assaré mandou versos para o mundo
Tranformou nosso solo mais fecundo
Fez nascer, com a rima, o seu rincão
Canto cá, transbordando essa paixão
Vou feliz, espalhando essa alegria
Quando penso em cordel e cantoria
Eu recordo do seu verso perfeito
Já não vivo feliz nem satisfeito
Eu só sinto saudades todo dia.
MF - Seu pesar já me trás recordação
De um tempo de canto e vaquejada
Patativa soltando uma toada
Enfrentando o galego do sertão
Essa vida, já sei, num largo não
Correr boi, namorá, só alegria
Eu recordo com joão na cantoria
Todo canto e poesia que tens feito
Já não vivo feliz nem satisfeito
Eu só sinto saudades todo dia.
JR - Marcos Filho, poeta competente
Recitou sobre a vida do sertão
De vaqueiro, curral e de gibão
Dessa vida sofrida, de sol quente
Recordei-me do povo resistente
Cearenses, de quem eu fui a cria
Meu sertão, pra quem faço apologia
Eu só devo prestar o meu respeito
Já não vivo feliz nem satisfeito
Eu só sinto saudades todo dia.
MF - Tem bom mel, tem batida e tem garapa
Do feijão mulatim eu sinto o gosto
O amor da morena é pressuposto
Faz em mim o alicerce, a minha lapa
Meu lugar é bonito inté no mapa
Sua beleza é fecunda e contagia
Canto aqui, meu sofrer em sinfonia
Sem rancor, sem descaso ou desproveito
Já não vivo feliz nem satisfeito
Eu só sinto saudades todo dia.
JR - Eu me molho de lágrima e saudade
Quando lembro do belo Cariri
Enfeitado com flores do pequi
Encantado com versos de bondade
Região que deixei tanta amizade
E parentes por quem eu morreria
Mas virá o momento de euforia
Voltarei pro meu solo, por direito
Já não vivo feliz nem satisfeito
Eu só sinto saudades todo dia.
MF - Cariri terra boa e abençoada
Teu encanto é bonito e indubitado
O teu fruto é fraterno e adocicado
Bem e paz, tu emanas em alvorada
Como é bom desfurtar uma gelada
Com amigos, teu canto e alegria
Lá se vive de amor e harmonia
Pra falar do meu lar eu sou suspeito
Já não vivo feliz nem satisfeito
Eu só sinto saudades todo dia.
JR - Cariri, que me faz ser mais amado
Pelos pais mais formosos desse mundo
Terra boa, de solo tão fecundo
Tudo nasce, bastando ser molhado
Tão simplória, do berço do serrado
Faz nascer essa gente de ousadia
Juazeiro mais Crato em harmonia
Eu os guardo, grudados junto ao peito
Já não vivo feliz nem satisfeito
Eu so sinto saudades todo dia.
MF - Cariri tem belezas naturais
De origem e valor desconhecido
É capaz de deixar empedernido
Quem deslumbra as nascentes imortais
Cariri, não te esquecerei jamais
Tu serás para sempre o meu guia
Quando longe, vivo em melancolia
Como um boi dentro de um curral estreito
Já não vivo feliz nem satisfeito
Eu só sinto saudades todo dia.
JR - Do curral, sai o leite bem quentinho
A sustança gostosa do sertão
Toda a mesa, com bolo e muito pão
Toda feita, de amor e com carinho
A vovó ajeitando o colarinho
Do seu neto, que sai em agonia
"-Vai com Deus, meu netinho, em harmonia
Tu serás homem justo e bem direito"
Já não vivo feliz nem satisfeito
Eu só sinto saudades todo dia.
MF - Destas coisas adoro me lembrar
São detalhes de grande importância
As memórias que guardo da infância
Lá do Crato, o berço do meu lar
O amor da família pra estear
Dar conforto, abrigo e alegria
Viver lá era tudo que eu queria
Dos teus elos, faria bom proveito
Já não vivo feliz nem satisfeito
Eu só sinto saudades todo dia.
JR - Cobra-Cega, ciranda e pique-esconde
Adedonha, carimba e carteado
Dominó, piquenique e ver reizado
Mamulengo, Eu-pergunto-e-tu-responde
Dona Benta, Pedrinho e Seu Visconde
Namorico, na sala, com Maria
Rolimã, siga-o-mestre e gato-mia
Jogar bola, comer muito confeito
Já não vivo feliz nem satisfeito
Eu só sinto saudades todo dia.
MF - Vou dizendo agora pra acabar
Essa prosa e tão bela discussão
Demonstramos saudade do sertão
E de tudo que fez-nos se apegar
É mulhé, é famia e os animar
E os lugares por onde a gente ia
Tanto amigo de nobre companhia
Fez valer o assunto aqui em pleito
Já não vivo feliz nem satisfeito
Eu só sinto saudades todo dia.
JR - Esse foi um repente bem bonito
Todos versos jogados num papel
Por nós dois, belezura de cordel
Nasceu simples, cortês e bem escrito
Marcos Filho, nas rimas, um perito
João Rolim, com seus versos de poesia
Encerramos: o fim desta porfia
Amizade com muito e bom respeito
Já não vivo feliz nem satisfeito
Eu só sinto saudades todo dia.
Peleja realizada em 2007.