Patativa do Assaré - esse realmente foi o mestre do cordel

Antônio Gonçalves da Silva

(Patativa do Assaré)

Aos Poetas Clássicos

Poetas niversitário,

Poetas de Cademia,

De rico vocabularo

Cheio de mitologia;

Se a gente canta o que pensa,

Eu quero pedir licença,

Pois mesmo sem português

Neste livrinho apresento

O prazê e o sofrimento

De um poeta camponês.

Eu nasci aqui no mato,

Vivi sempre a trabaiá,

Neste meu pobre recato,

Eu não pude estudá.

No verdô de minha idade,

Só tive a felicidade

De dá um pequeno insaio

In dois livro do iscritô,

O famoso professô

Filisberto de Carvaio.

No premêro livro havia

Belas figuras na capa,

E no começo se lia:

A pá — O dedo do Papa,

Papa, pia, dedo, dado,

Pua, o pote de melado,

Dá-me o dado, a fera é má

E tantas coisa bonita,

Qui o meu coração parpita

Quando eu pego a rescordá.

Foi os livro de valô

Mais maió que vi no mundo,

Apenas daquele autô

Li o premêro e o segundo;

Mas, porém, esta leitura,

Me tirô da treva escura,

Mostrando o caminho certo,

Bastante me protegeu;

Eu juro que Jesus deu

Sarvação a Filisberto.

Depois que os dois livro eu li,

Fiquei me sintindo bem,

E ôtras coisinha aprendi

Sem tê lição de ninguém.

Na minha pobre linguage,

A minha lira servage

Canto o que minha arma sente

E o meu coração incerra,

As coisa de minha terra

E a vida de minha gente.

Poeta niversitaro,

Poeta de cademia,

De rico vocabularo

Cheio de mitologia,

Tarvez este meu livrinho

Não vá recebê carinho,

Nem lugio e nem istima,

Mas garanto sê fié

E não istruí papé

Com poesia sem rima.

Cheio de rima e sintindo

Quero iscrevê meu volume,

Pra não ficá parecido

Com a fulô sem perfume;

A poesia sem rima,

Bastante me disanima

E alegria não me dá;

Não tem sabô a leitura,

Parece uma noite iscura

Sem istrela e sem luá.

Se um dotô me perguntá

Se o verso sem rima presta,

Calado eu não vou ficá,

A minha resposta é esta:

— Sem a rima, a poesia

Perde arguma simpatia

E uma parte do primô;

Não merece munta parma,

É como o corpo sem arma

E o coração sem amô.

Meu caro amigo poeta,

Qui faz poesia branca,

Não me chame de pateta

Por esta opinião franca.

Nasci entre a natureza,

Sempre adorando as beleza

Das obra do Criadô,

Uvindo o vento na serva

E vendo no campo a reva

Pintadinha de fulô.

Sou um caboco rocêro,

Sem letra e sem istrução;

O meu verso tem o chêro

Da poêra do sertão;

Vivo nesta solidade

Bem destante da cidade

Onde a ciença guverna.

Tudo meu é naturá,

Não sou capaz de gostá

Da poesia moderna.

Dêste jeito Deus me quis

E assim eu me sinto bem;

Me considero feliz

Sem nunca invejá quem tem

Profundo conhecimento.

Ou ligêro como o vento

Ou divagá como a lêsma,

Tudo sofre a mesma prova,

Vai batê na fria cova;

Esta vida é sempre a mesma.

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Patativa do Assaré

O autor — Antônio Gonçalves da Silva, dito Patativa do Assaré, nasceu a 5 de março de 1909 na Serra de Santana, pequena propriedade rural, no município de Assaré, no Sul do Ceará. É o segundo filho de Pedro Gonçalves da Silva e Maria Pereira da Silva. É casado com D. Belinha, de cujo consórcio nasceram nove filhos. Publicou Inspiração Nordestina, em 1956. Cantos de Patativa, em 1966. Em 1970, Figueiredo Filho publicou seus poemas comentados Patativa do Assaré. Tem inúmeros folhetos de cordel e poemas publicados em revistas e jornais. Está sendo estudado na Sorbonne, na cadeira da Literatura Popular Universal, sob a regência do Professor Raymond Cantel.

Airam Ribeiro
Enviado por Airam Ribeiro em 18/11/2010
Reeditado em 20/11/2010
Código do texto: T2623320
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