JULIÃO* OU AS LIGAS CAMPONESAS

Em solo pernambucano,

para a grandeza do Estado,

lá nasceu um cidadão,

homem deveras voltado

para os pobres do sertão.

E plantou revolução,

deu de si tudo o que soube

e, em prol da Reforma Agrária,

levou vida solidária,

mas no Nordeste não coube.

Afeito às causas do povo,

as falas de Julião

para o zé-povo explorado

tomaram tal dimensão

que o líder se fez notado.

Dele o valor divulgado

correu baixios e serras,

que o lobo estava nascendo,

enquanto os fatos fervendo,

lá para os donos das terras.

Sem receber honorários,

a defender camponeses,

inda jovem advogado,

o moço fazia vezes

de quem não se faz rogado,

já se pondo a malcriado;

e ao latifúndio ferrava

com setas que eram certezas,

e eis que as Ligas Camponesas

eram bens do que plantava.

Sentindo-se encurralado,

o latifúndio sem tino

fez valer a delação

e traçou outro destino

para o líder Julião.

Dele até se disse o cão,

porém, não sendo capacho,

o bravo pernambucano

ia pondo a nu seu plano,

muito certo, como eu acho.

Usineiros, gente rica,

os trombones direitistas

e a corja da reação

disseram ser comunistas

as barbas de Julião,

procurando noutro chão,

mesmo talvez noutro rastro,

um jeito de ser o moço

a casca e qualquer caroço

com os modos de Fidel Castro.

Em 64, o golpe,

o brutal golpe de Estado,

fez do deputado a fera,

parlamentar conjurado,

porém traidor não era,

que a direita não espera

– inventa, mente, injuria,

põe na rua da amargura

toda e qualquer criatura

que quer trazer melhoria.

E Julião foi cassado,

como tantos brasileiros,

indo viver clandestino

no convívio de roceiros,

em Goiás, num sol a pino.

Preso, não perdeu o tino:

tinha quengo o deputado,

mas o escritor e poeta

só nas masmorras vegeta,

antes do exílio forçado.

Inda em Brasília recluso,

o líder dos camponeses

sequer viu nascer-lhe a filha,

pois trancado doze meses,

numa solidão de ilha.

Preciso foi botar pilha,

e o pai preso ver aquela

pequenina de cacife,

que nascera no Recife

e se chamando Isabela.

Essa frágil menininha

deu verve e paz ao paizão

para escrever em dois dias

lindo livro de paixão,

verdadeiras poesias.

Palavras d’altas valias

há no ‘Até quarta, Isabela!’,

prosa de excelso humanismo;

algo que cheira a lirismo,

texto de essência tão bela.

Não cabendo eu seu país,

o México deu-lhe teto,

até que cessasse o fel

que reinou no seu dileto

Brasil, na fase cruel.

Homem de aço, bem diz

a vida de Julião.

Cá, de passagens, volveu

e no estrangeiro morreu,

mas amando o seu torrão.

Fort., 07/04/2011.

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(*) Francisco Julião Arruda de Paula, conhecido como Francisco Julião (Bom Jardim, PE, 1915) - Cuernavaca, México, 1999) foi um advogado, político e escritor brasileiro.

Julião foi deputado estadual em duas legislaturas. Eleito deputado federal por Pernambuco em 1962, foi cassado e preso em 1964.

Ao ser liberado em 1965, foi incentivado a se exilar. Viajou para o México, onde permaneceu até ser anistiado em 1979. Aliado de Leonel Brizola, filiou-se ao PDT e tentou ser novamente deputado federal em 1986, quando foi derrotado.

Em 1988, após as eleições, viajou para o México a fim de escrever suas memórias. Em 1991 retornou ao Brasil. Em 1997 viajou novamente para o México, onde veio a falecer em consequência de um infarto.

Obras literárias

• Cachaça (1951).

• Irmão Juazeiro (1961).

• O que São as Ligas Camponesas (1962).

• Até Quarta, Isabela (1965).

• Cambão: La Cara Oculta de Brasil (1968).

• Escuta, Camponês

Julião traduziu, com Miguel Arraes, quando ambos estavam na prisão, Le viol de foules par la propagande politique, do russo Sergei Tchakhotine.

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Francisco_Juli%C3%A3o

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 07/04/2011
Reeditado em 08/04/2011
Código do texto: T2894638
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