DIÁRIO DE CHÃO BRILHANTE

Numa era de dois sete

O nordeste foi cenário

De uma seca medonha

Onde o sertanejo agrário

Sem comida na tapera

Mastigava a longa espera

Sendo sempre solidário

No seu diário de chão

Contava horas no mato

Juntando os boin de osso

No quintal que era do pato

Quando viu um elemento

Elegante em seu jumento

E o seu cão de carrapato

Lembro-me da cor da bota

E do seu gibão de couro

Das contas do seu rosário

Da boca cheia de ouro

Na casa de pai poiô

Pediu água e se abancô

E ordenou ao meu louro

- Diga sem bater o pico

O nome de um cabra macho

Que andou por essas bandas

De uva te dou um cacho

De pirão te dou uma quenga

Se disser que o capenga

Caiu morto no riacho

O verdelin atrevido

Respondeu de modo insano

- Se não me falha a memória

Vou dizer e não me engano

Sei da honra e do destino

O cavaleiro de tino

Foi um bom republicano

- Filho de um Melo Calado

Com dona Alexandrina

Que ao sentir a dor do parto

No trinado da campina

Fez-se aurora reluzente

pra receber o valente

Presente das mãos divina

- E cresceu pela caatinga

Correndo no seu cavalo

Galopando atrás dos bichos

No tinido do badalo

Mais uma cabra leiteira

Que foi morta na porteira

Trouxe o seu primeiro abalo

- Isto foi somente a isca

Pra nascer a desavença

Do brilhante com o Limão

Cada lado uma setença

Na gruta que ele mantinha

Onde a sua corujinha

Alegrava a manhencença

- Das setenas de batalhas

que lutou esse vaqueiro

Vencendo no corpo a corpo

Pra tirar um companheiro

Da cadeia de Pombal

Fez por bem não fez por mal

O temido Justiceiro

- Ao ser contra a escravidão

Ouviu do primo um conselho

E perante os coronés

Mostrou a força do espelho

Do seu bando atuante

Que ajudava o semelhante

Nos ideiais de Botelho

- E jamais negou seu braço

As donzelas ultrajadas

As crianças maltrapilhas

Nem as mulheres casadas

Branco, ruivo, elegante

Um cangaceiro gigante

Fiel aos seus camaradas

- Um home feito de fibra

Temperado no sertão

Maior que Antôi Silvino

Muito mais que Lampião

Esse vulto nordestino

Se foi bandido ferino

Minhas estória diz que não

- Nas horas do meio dia

Peladin dentro do oco

Cobra verde me ensinou

Seu ABC de sufoco

Sendo o pássaro correio

Que voava pelo meio

De muita bala e pipoco

Tive um sonho matutino

E acordei pesaroso

Avisei de manhãzinha

Quem seria o criminoso

Que acertaria sua perna

No coração da caverna

Naquele dia chuvoso

- Eu espero que não seja

Parente do assassino

Saiba que fui escudeiro

E tocava sempre o sino

O nordeste não esquece

E o cabra logo esmorece

Se digo que é Jesuíno

- Vou afinar o seu bico

Respondeu o valentão

Sou a alma embraquecida

Do velho Preto Limão

Vim me desculpar da briga

E que toda aquela entriga

Foi pra servir meu patrão

- Jogaram nós de escudo

Por ter força e valentia

E o fazendeiro mesquinho

A jesuíno temia

De raiva ficava roxo

Tremendo as pernas de frouxo

No vento da covardia

- Diante desse compasso

Deixo a você um presente

Pode voar se quizer

Lhe tiro o pé da corrente

Também fui acorrentado

Comia sempre escaldado

Pensando ser um valente

- Agradeço a gentileza

Sou um pássaro faraterno

A você dou a memória

Jogo fora o caderno

Reparto o lucro da estória

No corcel negro da glória

Pode voltar ao inferno

Nisso veio a voz do vento

E soprou ligeiramente

Quando eu limpei a vista

Tava tudo diferente

Não vi mais minha gaiola

E um ancião de sacola

Esbarrou na minha frente

Tamanha foi a surpresa

Do bicho muito esquisito

No ombro daquele anão

Me chamar de Joselito

De menino voz de ouro

Do louro logo um besouro

Encarnado em Zé Mosquito

E perguntei curioso

Ao homem do chinelão

Disse: Antônio Francisco

Dos animais tem razão

Por motivo cordelista

Se quiser entrar na lista

Dos poetas do sertão

Num gole tem que beber

O velho Preto Limão

Espremer dentro do copo

Que parta seu coração

E sem fazer cara feia

Ao engolir esta ceia

De gosto azedo do cão

Não pude cuspir no chão

E rodei mundo de eito

Feito uma pedra de anil

No Quarador do meu peito

Vomitei de bala um mote

Na casa de Tôi Xicote

Vi o nordeste direito

E por fim inté cascudo

Mestre Cascudo menino

Pra dizer que o cangaceiro

Brilhante foi Jesuíno

Como o próprio Robin Hood

Teve sempre atitude

Homem bravo nordestino

ZELITO CORINGA

Cordel sobre Jesuíno Brilhante

Nordeste Brasileiro - Grande seca de 1877

Filme - O Cangaceiro - William Cobbett - 1972

Diário de Chão Brilhante - Ed. Queima Bucha - 2006