Viagem a são Leafar (viagem imaginária)Autoria: Damião Metamorfose e Eduardo Viana

*

Este cordel foi escrito virtualmente de forma inédita, pois os autores nada ensaiaram e nem se conhecem. Apenas raciocinaram encima das sextilhas um do outro, via Orkut.

Eduardo Viana em Recife PE. E Damião Metamorfose em Rafael Fernandes - RN.

*

D,M

Cansado da vida dura

De seca e sol causticante

De trabalhar e não ter

Direito a esse montante

Resolvi correr o mundo

E me tornei retirante.

*

E,V

E no mormaço escaldante

Parti da minha terrinha

Levando um preá assado

E três cuias de farinha

Com um matolão nas costas

Deixando tudo que tinha.

*

D,M

Bebi água na quartinha

E afiei minha faca

Cortei palha pro cigarro

De fumo de Arapiraca

Beijei o meu patuá

Arribei com minha maca.

*

E,V

Botei pólvora na matraca

Meditei, respirei fundo

Dei um giro na bengala

Como um certo vagabundo

Senti o vento soprando

Na camisa volta ao mundo.

*

D,M

Olhei pro céu um segundo

Pedi a Deus proteção

Acendi o meu boró

Mijei perto do oitão

Cuspi. Peidei e cocei.

E parti sem direção.

*

E,V

Enfrentando cerração

Chuva de vento e orvalho

Dormi no pé dum serrote

Ouvindo o som dum chocalho

Escutando uma coruja

Gemer em cima dum galho.

*

D,M

Por ali não tinha atalho

Pois o destino era incerto

Ora estava na floresta

Sem uma casa por perto

Noutras era em tabuleiro

Cerrado, quase deserto.

*

E,V

E por não ter ponto certo

Viajei de madrugada

Um bacurau me assustou

Apressei a caminhada

Pois pra quem vai sem destino

Qualquer vereda é estrada.

*

D,M

Numa casa abandonada

Uma noite me arranchei

Um pedaço do preá

Com farinha misturei

Ceei, fui dormir pensando.

Lá pelas tantas sonhei.

*

E,V

Sonhava que encontrei

Uma botija ali perto

Uma voz gritava alto

-Você é um cabra esperto

Essa aí é a botija

Do velho Félix Norberto.

*

D,M

Acordei boquiaberto

Com estranha sensação

Apertei meu patuá

Beijei, fiz uma oração.

E fiquei meditabundo

Pensando no cramulhão.

*

E,V

Sete cavalos do cão

Dentro da botija “tinha”

Dois cadarços de sapatos

Quatro carretéis de linha

Uma banda de tijolo

O bico duma galinha.

*

D,M

Dentro de uma latinha

Tinha um prego enferrujado

Uma chave velha e torta

Um barbante, um cadeado.

E um mapa feito em carvão

Com um destino traçado.

*

E,V

O mapa estava amassado

Rasgado, faltando um taco.

Mesmo ele estando estragado

Botei dentro do bisaco

Joguei a botija fora

E entupi o buraco.

*

D,M

Comi do preá um naco

Misturado com farinha

Acendi mais um boró

Bebi água da quartinha

Quando fui me retirando

Ouvi uma ladainha.

*

E,V

Era uma cidadezinha

Do lado duma estação

Parece que estava em festa

Ou era uma procissão

Cheguei nela parecendo

Um Judas de pés no chão.

*

D,M

Arriei meu matolão

E escondi o quicé

Com medo que a policia

Numa geral, desse fé.

Tomei um banho; e depois

Fui beber num cabaré.

*

E,V

Uma tal de Salomé

Disse corte esse cabelo!

Mas o barbeiro era cego

Imagine o desmantelo

Só fez caminhos de ratos

Chega me deu pesadelo.

*

D,M

Pedi mais não houve apelo

Fiquei todo ensangüentado

Quase briguei com o cego

Mas tive dó do coitado

Na hora que fui pagar

Ele me disse: obrigado.

*

E,V

Eu já estava bicado

Saí daquela desgraça

Voltei para o cabaré

Vi um veado na praça

Encontrei com Salomé

E fomos tomar cachaça.

*

D

Foi aquele amassa - amassa.

Eu estava precisando.

Ela amassava, eu bebendo.

Eu bebendo, ela amassando.

Só sei que naquela noite

Dormi quase flutuando.

*

E

De manhã fui acordando

Com um barulho danado

Eram dois políticos que

Discutiam num sobrado.

A quenga disse: - É um sujo

Falando do mal lavado!

*

D

Vi Salomé do meu lado

Parecendo uma beldade

Dormindo feito criança

Que sonha sem ter maldade

Inverti os sonhos dela

E parti com a saudade.

*

E

Numa esquina da cidade

Eu vi um doido cantando

Falando de um lugar

Que tudo tinha sobrando

Encaixando com o mapa

Que eu vinha carregando.

*

D

Parei fiquei escutando

Aquele homem cantar

Antes que toda cidade

Viesse lhe escutar

Perguntei o nome dele

E chamei pra merendar.

*

E

Disse ele: Vou falar

Pra que não me desacatem

O meu nome é um enigma

Leiam ao contrário e relatem.

E cumprimentou dizendo:

- Odraúde Esofromatem.

*

D

Às vezes quase me batem

Chamam de velho gagá

Mentiroso e outras coisas

Que é melhor deixar pra lá

Só porque conheço um canto

Onde a chuva é de maná.

*

E

Falou-me de Calcutá

Da Índia e Jerusalém

Zé Bedeu, Cancão de Fogo

E segredos do além.

Disse tente decifrar

No mapa que você tem.

*

D

Eu fiquei meio aquém

Pois somente eu sabia

Da existência do mapa

Que no matolão trazia

E perguntei sobre a terra

Aonde e como seria.

*

E

Disse que pra lá seguia

Porém estava perdido

Que a terra tinha fartura

Era um lugar prometido

Mas quando eu olhei pra ele

Tinha desaparecido.

*

D

Inda nem tinha comido

Os tarecos que pedi

Guardei-os no matolão

Procurei, mas não o vi.

Sem respostas pras perguntas

Paguei a conta e sai.

*

E

Uma ladeira eu subi

Chega a poeira fez pó

Arrepiei os cabelos

Com medo e andando só

Fui sair num vilarejo

Perto da Caixa Bozó.

*

D

Para limpar o gogó

Numa bodega eu entrei

Pedi uma de alambique

Fiz um boró e fumei

Paguei fazendo uma glosa

E depois me retirei.

*

E

Novamente caminhei

Pedindo a Deus uma trégua

Descansei numa Fazenda

Prossegui mais uma légua

Quando foi anoitecendo

Cheguei à Baixa da Égua.

*

D

Fui logo passando a régua

Tirei gosto com limão

Para aliviar um pouco

Arriei meu matolão

Nessa hora uma cigana

Pediu pra ler minha mão.

*

E

Ela deu a presunção

De opulência a meu ego

Eu disse: Um desejo pompa!

Há muito tempo carrego.

Ela me apontou um rumo

Pras bandas de Caixa Prego.

*

D

Falou que o futuro é cego

Que a pressa faz o aborto

Que sonho é coisa dos vivos

E quem não sonha ta morto

Que curva não é atalho

E que todo penso torto.

*

E

Que riacho não tem porto

Jumento tem sete manhas

Manhas de sete jumentos

Mulher ruim tem nas entranhas

Jacaré nada de costas

No rio que tem piranhas.

*

D

Ciganos tem artimanhas.

Mais essa era diferente

Parecia iluminada

Segura e inteligente

Não aceitou meu dinheiro

Só me disse: - siga em frente.

*

E

Eu segui com Deus na mente

Pedindo a ele saúde

Quando passei num deserto

Encontrei com Odraúde

Pensei: - Aqui neste ermo

Talvez o doido me ajude.

*

D

Para não parecer rude

Ao lhe ver disse: Bom dia!

Passei sem fazer parada

Porém parar eu queria

Mas senti o velho mago

Falar com certa euforia.

*

E

Credo em cruz, Ave Maria!

O velho olhava pra mim

Dizendo: - Achei o lugar

Que procurei tanto enfim

Nunca vi tanta fartura

Prosseguiu dizendo assim.

*

D

Fartura lá não tem fim

Lá não existe trabalho

O serviço mais pesado

É cartear um baralho

E disse: Mostre-me o mapa

Que nele tem um atalho.

*

E

Neste lugar nada é falho

Tem peixe em todo riacho

Jerimum de oitenta quilos

Descendo de grota abaixo

E tem tantas melancias

Feito pitomba no cacho.

*

D

Todo homem lá é macho

De palavra e posição

Os direitos são iguais

Pois não existe patrão

Violência não existe

E muito menos ladrão.

*

E

Dez quilos pesa um melão

Dar vinte metros uma cana

Imbu lá é do tamanho

Duma laranja baiana

Tem uma raça de gado

Que pari toda semana.

*

D

E lá na zona serrana

Tem outra raça de gado

Que de acordo com o clima

Ou como o leite é tirado

Sai iogurte ou manteiga

E até queijo fatiado.

*

E

Lá tem açude arrombado

Onde passou um navio

Tem capucho de algodão

Que um faz mais de um pavio

E construíram uma torre

Com a ponta de um novio.

*

D

E nas laterais do rio

No lugar do areal

De um lado é sal iodado

Do outro açúcar cristal

E nem salgam nem adoçam

A água que é mineral.

*

E

Lá desde o maternal

Não é preciso estudar

Pois todos sabem de tudo

Não faz sentido ensinar

E as crianças já nascem

Sabendo ler e nadar.

*

D

Também sabem preservar

A fauna e a natureza

Se o peixe não der dez quilos

Soltam o bicho na represa

Por isso é que esse lugar

É farto até na beleza.

*

E

E o velho com franqueza

Continuava contando

Vantagens daquela terra

Gesticulava falando.

E eu entusiasmado

De boca aberta escutando.

*

D

Ele me falou que quando

Jesus esteve na terra

Morou naquele lugar

Encravado numa serra

Por isso lá tem fartura

E nem se fala em guerra.

*

E

Disse que lá ninguém erra

Dinheiro no bolso sobra

Não tem fila, nem miséria

Nem político com manobra

Se alguém estiver devendo

O credor passa e não cobra.

*

D

Lá Deus fez a sua obra

Em perfeita sintonia

Os filhos respeitam os pais

Os pais amam sua cria

Genros e sogras conversam

Sem farpas ou ironia.

*

E

Lá não existe agonia

O povo lá é contente

Até os animais falam

Cachorro é o que mais mente

Gostam de contar piadas

E conversar com a gente.

*

D

Lá pra tomar aguardente

Basta espremer uma cana

Tem com sabor de limão

Laranja, coco e banana.

E a cuia é de um caroço

De umbu ou cajarana.

*

E

Eu perguntei ao sacana

- Onde é essa terra então?

- Será em São Saruê?

Ele respondeu - É não!

Pra não copiar trabalhos

De outros da profissão.

*

D

São Saruê meu irmão

Antes era um bom lugar

Mas depois foi invadido

Tentaram globalizar

Os nativos que escaparam

Foram pra São Leafar.

*

E

Pra chegar nesse lugar

Eu demorei trinta anos

Risquei mapa e rasguei mapa

Meditei e tracei planos

Tanto que fiz confusão

Nos algarismos romanos.

*

D

Lá não tem atos insanos

pois todos os animais

Têm o dom da inteligência

Não tem irracionais

Cão, gato, homem e leão

Uns aos outros são leais.

*

E

Falando-se em cereais

Colhe-se o arroz pilado

Quarenta espigas por pé

De milho já debulhado

Fava já dar cozinhada

Feijão já nasce ensacado.

*

D

O solo é tão adubado

Os frutos são tão graúdos

Que a catemba dum coco

Mesmo aqueles mais miúdos

Cabem uns vinte litros d’água

E vingam com os canudos.

*

E

Não é lugar de chifrudos

Nem de manha ou de lundu

E tem coisas engraçadas

Que posso dizer a tu

- Plantei um pé de castanha

Nasceu um pé de caju.

*

D

Plantei um pé de chuchu

Lá pras bandas da chapada

Uma vez sumiu uns bois

E eu procurei, e nada!

Mas quando abri um legume

Tinha dentro uma boiada.

*

E

Nessa terra abençoada

Onde a bondade combina

Tem festas com muita carne

E farofa na terrina

Tem combustível de graça

Nos postos de gasolina.

*

D

Lá tem pé de tangerina

Que frutifica batata

Tem um na aba da serra

Do lado de uma cascata

Que depois que ficou velho

Ta vingando suco em lata.

*

E

Lá a história relata

Mulheres tem em cardume

Dez mulheres para um homem

Se embriagar no perfume.

E vagas para mais dez

Nenhuma sente ciúme.

*

D

Como já é de costume

E faz parte da rotina

Os casais trabalham juntos

Na cidade ou na campina

E com união preparam

Os frutos da mão divina.

*

E

Não tem ladrão na esquina

Nem acesso de loucura

Quando alguém se acidenta

Rapidamente se cura.

Jesus estende uma mão

Dar um sopapo e segura.

*

D

Não existe ruptura

Existe zelo entre os seus

Por não ter religiões

Não têm crentes nem ateus

Sol e lua são os santos

E a natureza é Deus.

*

E

E pelos conceitos meus

Todo mundo lá é rico

Pois não existe fofoca

Intriga nem mexerico

Trapaça, pulha, pilhéria

Indecência nem fuxico.

*

D

Tanto faz ter um burrico

Ou um cavalo arreado

Uma vaquinha de leite

Ou um rebanho de gado

Por não ter capitalismo

Todo mundo é arranjado.

*

E

Mulheres pra todo lado

Mulher gorda e mulher magra

A gente namora todas

Sem ter perigo de flagra

E dar conta do recado

Sem precisar de viagra.

*

D

Uma espécie de tanagra

Que beirava a perfeição

Eram todas as pessoas

Que habitavam o chapadão

Via-se força no jovem

E o saber no ancião.

*

E

Mas naquela ocasião

Eu senti um reboliço

A barriga deu um ronco

Querendo fazer serviço

E o sol iluminava

Dos pés até o toitiço.

*

D

Eu pulei um passadiço

Que nem vi como pulei

Entre ronco, cólica e peido

Numa moita me amoitei

Quando eu já nadava em bosta.

Pra não morrer, acordei.

*

E

Com folhas mesmo asseei

O "fê - o - fó" sem fadiga

Sem ver direito limpei

Com umas folhas de urtiga

A ardência foi tão grande

Que matou uma lombriga.

*

D

Peguei sabugos de espiga

De milho e corri ligeiro

Pra debaixo de um mofumbo

Bem ao lado dum chiqueiro

Caí na lama dos porcos

Em cima dum formigueiro.

*

E

Aí me limpei ligeiro

Ficando o cheiro nos panos

Ainda meio confuso

Entre tantos desenganos.

Pois numa noite sonhei

Que viajei trinta anos.

*

D

Para reparar os danos

Daquele cheiro de grude

Lavei toda a roupa suja

Tomei banho no açude

Depois fui ao vilarejo

E bebi tudo que pude.

*

E

E do velho Odraúde

Ficou somente a lembrança

Parece até que estou vendo

Sua imagem e semelhança

De encontrá-lo algum dia

Ainda tenho esperança.

*

D

Quem espera sempre alcança

Mais confesso, estou cansado.

Pode até ter sido um sonho

Mas vejam o resultado

O pobre mesmo sonhando

Quando acorda, foi lesado.

*

E

Sonho de pobre é sonhado

Dum jeito que não tolero

Sonha com bens e riquezas

Acorda no lero - lero

Quando pensa que está rico

Volta pra estaca zero.

*

D

Sonhando ou não eu espero

Quem sabe um dia encontrar

Um pedaçinho de chão

Onde eu possa trabalhar

Pois só preciso de inverno

E terras para plantar.

*

E

Porém temos que sonhar

Mesmo que seja ilusão

Sonho gera pensamento

Pensamento gera ação.

De um sonho poderá vir

Sua concretização.

*

D

Sonhar ou ter ambição

Faz parte do dia a dia.

É o tempero da vida

Quem dar vida a fantasia

Só não embarco nos sonhos

De inveja e hipocrisia.

*

E

Eu peço a Deus todo dia

Proteção pra minha prole

Que também tenha seus sonhos

O mundo não lhes viole

Pois a vida só é dura

Pra pessoa que é mole.

*

D

O vento que sai do fole

Acende o fogo da vida

Os sonhos às vezes vêm

Da energia contida

Se não indica o caminho

É um ponto de partida.

*

E

A vida é constituída

Sem receita, pule ou bula.

O sonho engrandece a alma

Que de nobre se intitula

A terapia do riso

O sonho é quem estimula.

*

D

Essa estória se intitula

A VIAGEM IMAGINÁRIA

O lugar “São Leafar”

Onde a fartura é lendária

E quem achar que é mentira

Prove de forma contrária.

*

E

Em toda vivência etária

Tendo ou não o que fazer

A pessoa sonha sempre

Mas tende a se esquecer.

Esse pra ficar lembrado,

Resolvemos escrever.

*

D

No mundo não deve ter

Esse lugar que sonhamos

Mas se a gente preservar

A natureza onde estamos

No futuro irão colher

As sementes que plantamos.

*

E-sse sonho interpretamos

D-uma maneira fiel

U-nidos nos devaneios

A-quecidos no papel.

R-esta você aprovar

D-ar sua nota e sonhar

O-rnamentando o cordel.

*

D-ar asas ao seu corcel

A-o ler a nossa estória

M-atizar os personagens

I-nventar a trajetória

A-creditar no seu sonho

O-bter sua vitória.

Fim.

*

À quem ler ou comentar o meu muito obrigado, Deus nos ilumine, inté.

Damião Metamorfose
Enviado por Damião Metamorfose em 18/05/2011
Reeditado em 30/06/2011
Código do texto: T2977217
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