Ouvir o texto:

Minha Mulé
O Depoimento de um Marido Apaixonado

 
Tarde, pessoár!

Meus cumpade, minhas cumade, ocês é tudo muitho bem-vindo aqui no Compadre Lemos Pontocom.

Hoje eu quero trazer procês mais um Folheto de Cordel. E este folheto é muito ispicial, porque eu iscrivi ele para a pessoa mais importante da minha vida! Uma mulher maravilhosa, que me tulera há trinta e um anos! Vai tê paciência assim lém casa!

E é pra essa pessoa que esse folheto é dedicado!

Antão, procês tudo, mas principalmente pa Dona Jussiara, minha esposa, o Cordel
Minha Mulé
O Depoimento de um Marido Apaixonado

 
Os home, quano se ajunta,
Tem uns assunto acertado:
É a seca, o só danado
Isturricano o Sertão.
Ô intonce, é deferente:
Se chove, lá vem inchente,
Distruíno prantação!
 
Si é dia de dumingo,
A cunvérsa é prazentêra!
Intonce, ês carça a chutêra
E fala de futibó.
"O Framengo, o Fruminense
Impatô cum o Fribuguense
Mai o Vasco é mais mió..."
 
Mai tem, porém, um assunto
Qui ês fala é toda hora!
Tirano suas sinhora,
Só uma coisa êles qué:
"Fulana virô galinha"
"Sicrana tá gostosinha"
"Vamo falá de mulé!!!"

 
Mai, veja bem, Sêo Dotô,
Si eu nun tô cum a rezão:
Ês fala assim, de montão,
Cum tom de vóiz bem marôto,
Di tudo quanto é mulé.
E fala o qui quizé...
Mai só das mulê dos ôto!
 
Das dês, ês nun fala não,
A móde o tár de respeito.
Nun tem bunda, nun tem peito,
Parece inté... pé de pau!
"Minha mulé é uma santa
Faz café, armôço e janta
E nunca procede mau!"

 
Já eu, sô bem deferente
Nun faço cuma êles qué!
Eu amo minha mulé
E gosto de falá dela.
Falá de mulé alêia
É pirigo, dá cadeia,
Arrisca isticá as canela!
 
Minha mulé eu cunheço
In derna de rapazin,
Pois nós dois era vizin,
Nos tempo de mucidade.
Crescemo junto, brincano,
A amizade virano
Aos pôco, amô de verdade!
 
Dispois qui eu mudei de vida,
Assumino o meu papé,
Rosinha do Coroné
Arresorveu mi aceitá.
O pai dela inté fêz gosto,
Cunsentimento foi posto
E garremo a namorá!
 
E namoremo bastante...
Inté qui um dia, casemo.
Um festão, intonce, demo
A móde o povo brincá.
Foi cumida e canturia,
Inté o raiá do dia,
Mar nói... nun pôde isperá!
 
Saímo da festa, ansin,
Cuma qui meio iscundido,
Pois nóis tava cum sintido
De aquietá o coração.
E cum os desejo in brasa,
Nóis vortemo foi pra casa,
Pá cumpri a obrigação!
 
E cumeçô, nêsse dia,
A tár da filicidade!
Era amô, era amizade,
Ternura, chêro e carin!
Eu tive, intonce, a certeza
Quessa vida de beleza
Nunca mais ia tê fim!
 
Nóis morava numa casa
Qui o Coroné feiz pra nóis!
Eu tinha mando de voiz,
Na vaquerama de gado!
Trabaiava o dia intêro
De capataz dos vaquêro
Era muitho arrespeitado!
 
Mais quando chegava in casa,
Pra minha sastifação,
Uma ôta obrigação
Mais mió já mi isperava!
Pois, nos braço de Rosinha,
A vida era ingualzinha
Àquela, qui nós sonhava!

Dessa obrigação cumprida,
Ripitida todo dia,
Nós formemo uma famia
E sete fiin nasceu.
Mai o amô continua
E, se tem noite de lua,
É eu mais ela... ela e eu!
 
Mai o tár do casamento
Vai achano seus camim.
A gente chega, pur fim,
A cunhecê unzanzôto.
E ansim, no dia-a-dia,
Vai aprendeno as mania
Inquanto nasce os garôto!
 
Minha mulé, purinzêmpro,
É braba feito serpente!
E é muito inteligente
Discobre as coisa é no á.
Nun adianta eu minti,
Qui pá ela adiscubrí,
Nun percisa nem contá!
 
Se ôta surri pra mim,
De longe, ela já viu!
E, cuma é curto o pavíu,
Já cumeça a confusão.
Eu, sem tê curpa de nada,
Tenho que topá parada
E sofro, sem percisão!
 
E ôta mania dela,
É de nun guardá segrêdo.
Às veiz, inté tenho mêdo
De certas coisa contá.
Ela acha qui é verdade,
Ispáia pela cidade
E eu tenho que cunfirmá!
 
Isturdia, eu contei
Um causo, de brincadêra.
E caí foi na bestêra
De dexá ela iscuitá.
Ah, pois, sim!... No ôto dia,
Todo mundo já sabia...
E eu, sem pudê prová!
 
Mai ela tem as vantage,
Qui eu nun posso isquecê:
Mi ciúma, cumo o quê,
É braba, cumo ninguém!
Mai, no fugão, é rainha,
Pois prepara uma galinha,
Qui quem comê passa é bem!

E ôta vantage dela,
É o assêio da casa.
Na faxina, nun se atrasa,
Limpa e arruma todo dia.
E vê uma casa limpinha,
Barrida, arrumadinha,
Nun é uma grande aligria?
 
Na lavage duma rôpa
Eu nun cunheço mió!
Isfrega e bate, sem dó,
Inté ficá bem arvinha!
De nossa famia intêra
Ela é a lavadêra...
Mió qui ela, nun tinha!
 
Tem ôta coisa qui eu gosto
Nessa mulé, meu Patrão:
É qui, nas Relegião,
Ela é abençuada.
Reza Têuço, faz novena,
Nas casa grande ô piquena
E adonde fô cunvidada!
 
E Caridade é cum ela!
Percisô?... Pode pidi.
Ti juro que nunca vi
Ela sunegá um pão
A quem diz qui tá cum fome,
Minino, mulé ô home,
Pra ela, tudo é irmão!
 
Já eu, cum mais os minino,
Somo mêi qui... disligado.
Bem pôco temo rezado,
Mode pidi proteção.
Mai eu calo minha vóiz
Pois ela reza pur nóis,
Ovino missa e sermão!
 
Nas festa da Igrejinha
Qui nóis tem, lá no arraiá,
Ela é a premêra a chegá,
Sêo Páde gosta de vê!
Ela chega, cas cumade,
Pregunta logo: Sêo Páde,
Quê qui tem, pra nóis fazê?
 
Ajuda nas barraquinha,
Arranja prêmo e leilão,
Puxa canto, in procissão,
Açulera a muierada!
Ela é pau pa toda obra,
Pois enegia lhe sobra
E nunca qui tá cansada!

Seu Páde inté foi lém casa,
Pra móde mi dá consêi.
Eu fiquei inté  vermêi,
Cas coisa quêle falô.
Ele disse: Severino,
Malinzêmpro prus minino
Nun dá mais não, pru favô!
 
Chegano dia dumingo,
Ocê pega sua famia,
Vai rezá, pois esse dia
É o dia consagrado
De fazê as pinitênça,
Pô a mão na consciênça,
Móde sê abençuado!
 
Ocê vê: Dona Rosinha:
Inté mi ajuda, na igreja.
E ocê véve nas peleja,
Nos vélso, nas canturia.
Larga a viola de lado,
Toma tento, seu danado,
Credincruz, Ave Maria!
 
É qui eu, nas horas vaga,
Sô chegado numa viola.
Eu nun tive foi iscola,
Mai no repente, eu garanto!
Nun injeito cumpromisso
E era pu conta disso
Qui o Páde falava tanto!
 
O Páde falava tanto,
Qui chegava a ispumá.
Mais eu tinha qui iscuitá,
Pois ele tinha razão.
Adispois qui ele falô,
Cum vregonha, Seu Dotô,
Eu tomei uma dicisão:
 
Pois dumingo eu vô na igreja,
Fazê tudo diritin.
Essa vida nun é pra mim
E os minino tomém vai!
Seu Páde falô dereito,
Nós tem qui tê mais respeito
Cum Deus, qui é Nosso Pai.
 
Apois, antão, no dumingo,
Sartei bem cedo da cama.
Troquei rôpa, limpei lama
Das butina e carcei.
Os minino se arrumáro,
A mulé pegô o rusáro,
Cunforme o qui manda as lei.

E fumo tudo pra missa
Na igrejinha do arraiá!
Todo mundo tava lá,
Nós chegemo bem na hora.
Seu Páde, todo contente,
Na porta, chamava a gente,
Môs fio, vamo simbora!
 
E a missa cumeçô...
Só qui uma tár Zefinha,
Morena, inté bunitinha,
Sentô di junto de mim.
E foi chegano pa perto,
Na cara, um sorriso aberto,
Do jeito de quem tá afim.
 
E eu, pensano cumigo:
Isso aqui nun vai dá certo!
Seu nun ficá muito isperto,
Rosinha briga mais eu!
Seu Dotô, foi dito e feito,
Rosinha istufô os peito
E veja o qui acunteceu:
 
Foi Rosinha vê aquilo,
Pá móde o tempo fechá.
Ela nun quis nem isperá
O Páde cabá ca Missa!
Truvô no chão mais Zefinha,
Quebrô a igreja todinha,
Qui tudo virô muquiça!
 
Seu Páde levô tabefe,
O Sancristão, dois cascudo,
O sino inté ficô mudo,
Na mão de Zé Coroinha.
O povo saiu correno
De mêdo, inté se benzeno,
E eu, tronqüilo, na minha!
 
Os santo tudo da Igreja
Taparo os óio cas mão!
Santantônio, Sanjuão,
São Pêdo e a Vrige Maria!
Nossinhô, Crucificado,
Ficô oiano, parado,
Mas, su pudesse... curria!
 
E a besta da Zefinha,
Curpada da confusão,
Sofreu foi muito, nas mão
Da Rosa, minha mulé.
Cê tá apanhano, cumade,
Móde aprendê, na verdade,
A vida, cuma ela é!

Bateu tanto na bichinha
Qui ela, ispavorida,
Sumiu no mundo, e na vida,
Diz que mudô de intenção.
Nun qué mais sabê de home
E inté já trocô o nome,
De Zefa, pa Ricardão.
 
Ês fala qui é di nacença,
As mulé qui é desse jeito.
Mai a Zefa, foi no peito,
À custa de burduada!
Fez curso de sapatona,
Arrumô uma ôta dona
E cum ela tá amigada!
 
Nun percisava de tanto,
Mai foi assim qui se deu.
Rosinha tanto bateu,
Qui a Zefa mudô de lado!
Nunca mais oiô pra mim,
Pois sabe o quanto é ruim
Mexê cum home casado!
 
Dispois qui passô o furdunço
E acarmô  os rompante,
O Páde, naquele instante,
Mi disse, contrariado:
Eu nun vô chamá a Puliça,
Mais nun venha mais na Missa,
Esteja, pois, liberado!
 
Dona Rosinha, que venha,
Mai o sinhô nun vem junto!
Severino, presta assunto,
E vê que eu tô ca rezão:
O sinhô, vino mais ela,
A missa se distrambela
Numa grande confusão!
 
E, derna daquele dia,
Eu nun vortei mais na Igreja.
Rezo in casa, Deus esteja,
E perdoe os meus pecado.
Pois o ciúme da Rosa
Deixa ela furiosa...
E eu ainda sô curpado!
 
Mai eu nun recramo não,
Dela sê assim, ciumenta.
Pois esse amô mi sustenta
E mi dá muita enegía.
Sem ela, eu nun trabaiava,
Nun surria e nem cantava,
Pois ela é minha aligria!

É ela quem mi tulera,
Quem lava o pó de meus pé!
Faz cumida e faz café
Bem quentin, móde eu tomá...
É cum ela qui eu sonho,
E digo, nun mi invregonho
De desse jeito falá.
 
É cum ela, Seu Dotô,
Qui eu vô ficá, inté o fim,
Pajiano meus netin,
Depois qui meus fi casá.
Dessa mulé eu num corro,
Pur ela inté mato e morro,
Na hora qui percisá.
 
Foi ela qui Deus me deu
Pra sê minha cumpanhêra.
A vida nun é brincadêra
E sozin, é mais pió.
Sem a Rosinha, Patrão,
Eu tava é na sulidão,
Amargano o caritó!
 
Apois, eu vô li contá
Um causo bem verdadêro:
Eu, no tempo de sortêro,
Era mês da pá virada.
Fui cantadô, violêro,
Muierengo, baguncêro,
E nun ligava é pra nada!
 
Nas festa, nas canturia,
Nos lugá donde eu chegasse,
Sempe tinha quem falasse:
Arréda, gente, qui invém
Severino Brigadô!
Fugia póbe e dotô
E nun ficava ninguém.
 
Os amigo qui eu tinha
Era tudo do furdunço.
Só vagabundo e jagunço
É qui andava mais eu.
Minha vida só mudô
Foi no dia qui o amô
Na minha porta bateu.
 
Pois as moça de famía,
Das de tratá casamento,
Nem sorriso, nem alento
Ia dá pum cachacêro.
Inda mais seno da farra,
Qui nem eu, contano marra,
E brigano o tempo intêro!

E foi aí que a Rosinha
Mi istendeu  a sua mão.
Mi abriu seu coração
E disse: Eu gosto docê.
Mais, móde casá cumigo,
Ocê iscuita o qui eu digo:
Percisa de merecê!
 
Si ocê mudá de vida
E arrumá um trabái,
Eu já falei cum Inhô Pai
E ele inté já aceitô.
Nós dois casa, e Jesus
Acende, pra nóis, a luz
E abençoa nosso amô.
 
Eu saí da vida torta,
Fugino do prijuízo.
Tomei tento, tomei sizo,
E mi tornei home séro.
E pur isso, Seu Dotô,
Pur Rosinha eu tenho amô...
E quano eu falo, é sincero!
 
Imagina adonde eu tava,
Se nun sêsse o amô dela!
Tarvêiz preso, numa cela,
Tarvêiz numa sipurtura!
Tarvêiz bêbo, nas carçada,
Ca vida tôda azarada,
Lamentano as amargura!
 
A ventura de sê pai
Eu nun tinha cunhicido!
Meus fi nun tinha nascido,
Meus neto nun ia vim!
Quano eu morrêsse, de fome,
Tinha acabado meu nome,
Da minha históra era o fim!
 
Mai foi Deus e foi Rosinha
Que vinhéro me acudi!
No mundo nun mi pirdi
Cabei achano minha tria!
Cê preguntô quem sou eu?
A vida já arespondeu:
Sô um bão pai de famia!
 
E, dispois de tantos ano,
As coisa ainda acuntece.
De noite, nós dois nun isquece
De um zanzôto aquecê.
Ela tá, qui é uma beleza,
No barrigão, a certeza:
Mais um fiin vai nascê!
 
Antonce, eu li pregunto:
Eu vô fazê coisa fêia?
Falá de mulé alêia,
E mi isquecê de Rosinha?
Qui fale mau, quem quizé,
Mai, pra falá de mulé,
Só falo... seno da minha!
 
Ês brinca e zua cumigo,
Diz queu sô... camisolão!
Qui a mulé mi tem na mão,
Que eu só como é na mão dela!
Eu digo: Graças a Deus!
Cuma disse São Mateus:
“Só no Bem, a vida é bela”!
 
E eu lá quero ôta vida,
Se, cum essa, eu tô contente?
Dêxa falá essa gente
Que nun sabe o qui é bão!
É êles qui tão errado,
Apois, eu fui  amarrado
Nos laço do coração!
 
Os ôto qui mi adiscurpa,
Se eu nun entro nessa prosa.
Mai eu só penso na Rosa,
Dia a dia, mêis a mêis!
Eu já disse prêsse povo:
Se eu fosse casá de novo...
Casava cum ela otravêiz!!!
 
Conforme Deus é sirvido,
O casamento é sagrado.
Mintira eu dêxo de lado,
Pois só tenho uma mulé.
Amô qui é amô nun some!
Deus fez as mulé pros home
Respeitá e dá seu nome,
E amá, cum muita fé!
 
Leitô amigo, esses verso
Eu mêrmo peguei e fiz.
Mostrano, pus mais muderno,
O sonho belo e eterno:
Sô casado... e sô filiz!
 
Eitha! É desse jeito! É desse jeito que é a vida!

Graças a Deus, trinta e um anos de casado, um casamento muito bom, muito feliz. Duas filhas lindas e uma esposa dedicada! E eu quero aproveitar a oportunidade e dedicar esta página de hoje à pessoa mis importante da minha vida. A minha esposa Jussiara, ela que é, há trinta e um anos, a minha Rosinha.

E procêis tudo, o meu muito obrigado pela visita e o meu convite de todo dia: amanhã, cês vórta. Mai vórta mês, viu? Porque amanhã... tem mais.

 
Fraterno abraço,
Compadre Lemos.

 Próximo Causo:
Compadre Lemos
Enviado por Compadre Lemos em 30/10/2011
Reeditado em 07/11/2011
Código do texto: T3306204
Classificação de conteúdo: seguro