A BAGUNCEIRA DE BOA VIAGEM
Pode parecer bobagem
O que agora vou contar
Pros lados de Boa Viagem
Bem pertinho da beira mar
Mora uma moça bonita
Que poderia ser a bendita
Cantada por Alceu Valença
Mas ela tem uma mania
Que tá mais pra patologia
Desconhecida pela ciência
Ela, de família normal
Advinda do interior
Há anos moram na capital
Sua educação foi de valor
Pai, agrônomo experiente
Trabalhou para muita gente
Já palestrou no estrangeiro
Mãe, formada em Psicologia
Em Letras e Pedagogia
Suaram muito por dinheiro
Mãe prendada, pai lutador
Genitores dessa faceira
Não se sabe a quem puxou
Pra ser assim tão bagunceira
A mãe ficou tão preocupada
Já tentou ensinar a filha criada
Como professora de formação
Trabalho perdido, coitada
Moça velha não aprende nada
Nem com palmatória nas mãos
Muito bonita e estonteante
Simpática, simples, singela
Educada, além de falante
Alta, elegante igual gazela
Por vez é de curto pavio
Mas quando escuta um elogio
Chega até a ficar sem graça
Ela é mesmo um furacão
Pois deixa o rastro de confusão
Por onde quer que ela passa
Diante de sua moradia
Que tá mais para geringonça
Ela ainda tem a ousadia
De ter o quarto da bagunça
Inteligente e tão faceira
Independente e solteira
Ela decidiu morar só
Sem preocupação e sem grilo
Só ela sobrevive aquilo
Assim morrerá no caritó
A bagunça pra ela não mata
Ela se orgulha em dizer
Que sua casa não tem barata
É claro, veja só você
A razão está escancarada
Se ela não encontra nada
Nem mesmo em cima da mesa
Quem dirá o coitado inseto
Que está perdido por completo
Diante daquela grandeza
É sutiã sob sofá,
Remédio dentro do fogão
Meias na mesa de jantar
Jornais e revistas no chão
Resto de fruta no banheiro
Se procurar tem até dinheiro
Em moeda, cheque ou cartão
A ordem daquilo por lá:
Qualquer coisa em qualquer lugar
O início em toda confusão
Um dia abrindo a janela
Para arejar o calorão
Preocupado disse pra ela
Da base da organização:
-Apesar de ser um critério
Não existe muito mistério
É somente você aplicar
Ao chegar nessa tua sauna
Você lembra com muita calma
Cada coisa tem seu lugar
O prédio da sua morada
Não precisa de elevador
Três andares e uma escada
Pra subi-las é um horror
Ao adentrar com suas compras
Ela já cansada e tonta
Solta tudo ao passar da porta
A bagunça cria asa
-Se tá tudo dentro de casa
Onde guardar pouco importa
Vergonha daquilo ela tem
Pois não recebe visita
Bagunça faz mal a ninguém
Com isso ela não se irrita
Mas sua higiene é de primeira
Com comida na geladeira
Nada lá fede a carniça
Indo bem fundo ao problema
E explicando o dilema
O mal dela é a preguiça
Não sei se por um capricho
Por lá na sua moradia
O organizado é o lixo
Vejam só que ironia
Pra nada ficar estragado
O orgânico é de um lado
De um outro o reciclável
Se alguém vier a errar
Ela começa a reclamar
Uma ecológica admirável
Dona de casa nesse AP
Poderia até passar mal
Vou usar só a letra "T"
Pra dar ideia desse caos
toalha, tênis, tupperware
trecos, trancelim, talco p'ro pé
tinta pra cabelo sem química
Talão de cheque, travesseiro
Até troços de tesoureiro
Pois ela já foi até síndica
Todos sabem que é difícil
Encontrar uma faxineira
Imaginem pra aquele ofício
Pois nenhuma é milagreira
Me esforçando para caralho
Trouxe até uma de Paudalho
Com muita esperança e fé
Ao entrar no apartamento
Ela faz o seu julgamento
-Ela está de mudança, né?
Uma coisa que é bem usual
É um objeto que desapareceu
Se não está no campo visual
Ela logo diz que perdeu
Depois ela acha bem ali
Então ela agi como se
Nada tivesse acontecido
Escute só a minha teoria
Que eu desenvolvi um dia
Sobre achados e perdidos
Naquele bendito AP
Se alguém tiver o azar
De alguma coisa perder
E depois vai querer achar
Deve perder um outro item
Amigos, quero que acreditem
Podem achar que é brincadeira
Parece até uma macumba
Quando procurar a segunda
Você vai achar a primeira
Se alguém estiver cansado
Quiser um canto para sentar
Precisa tomar um cuidado
Onde o traseiro colocar
Pois a bagunça é tão imensa
Que é até preciso paciência
Pro cabra se localizar
Posso até seguir o alfabeto
Enumerando os objetos
Em cima daquele sofá
É agenda, bolsas e calça
Dinheiro e extrato bancário
Fio dental, sutiã sem alça
Gloss, comprovante de salário
Hidratante e escova de dente
Jornal, lápis de olho e pente
Maquiagem e óculos de sol
Revista, sombrinha e toalha
Relógio bom que nunca falha
Além de veneno em aerosol
Na intenção de homenagear
Além de fazê-la refletir
Quero mesmo me desculpar
Se por acaso lhe ofendi
O que se passar pela vista
De um poeta cordelista
Sua função é descrever
Com exagero e bobagem
Bagunceira de boa viagem
A homenageada B B V
No fim das contas vou falar
Que existe uma explicação
A ordem das coisas por lá
Não se enquadra no padrão
De alguma pessoa normal
Mas tudo bem, pois afinal
O que é errado ou é certo?
Porque de médico e louco
Todo mundo tem um pouco
Se conhecendo bem de perto
André Riceliano Melo em 11 / 11 / 11