VICENTE - UM CANGACEIRO DE ARAQUE

Trecho do Cordel:

No tempo dos cangaceiros

Por estes sertões perdidos

Havia aproveitadores

Disfarçados de bandidos

Pra poder tirar proveito

Do povo mal satisfeito

Que vivia desprotegido.

Esse tipo de bandido

No Nordeste é o mais fecundo

É uma categoria

Que além de vagabundo

Picareta e parasita

Com qualquer coisa se irrita

Acha que é dono do mundo.

Na Vila Pedro Segundo

Tem um sujeito valente

Bebum, tomador de pinga

Desses de cabeça quente

Bagunceiro e atrevido

Por todo mundo temido

Por seu gênio de serpente.

O seu nome era Vicente

Tinha até parte com o cão

Só vivia de arruaça

Aprontando confusão

Se bebesse uma cerveja

Fechava até a igreja

E batia no sacristão.

Dos que já meteu a mão

Ele até perdeu a conta

Carrancudo, cara feia

Sempre com a cabeça tonta

Pronto pra meter a mão

Sem motivo ou precisão

Em quem lhe fizesse afronta.

Mas tudo era faz de conta

Ele tão bem disfarçava

Por isso era respeitado

Lá na vila onde morava

Parecia uma majestade

Naquela localidade

Só ele é quem comandava.

Agia como pensava

Açoitava o inocente

Quando fazia lambança

Era pior que serpente

Garoto novo ou barbado

E até homem casado

Apanhava de Vicente.

Esse sujeito demente

Se chegasse num evento

Fosse novena, seresta

Batizado ou casamento

Qualquer que fosse o embalo

Ele cantava de galo

E parava o movimento.

Mas tudo tem seu momento

De derrotas e apogeus

Vicente cantou vitória

Em tudo que se meteu

E a Divina Providência

Preparava uma recompensa

Para aqueles atos seus.

Nesse mundão de meu Deus

A Natureza reprova

Todo mal procedimento

Pra depois mostrar a prova

Que cabra muito valente

Bravo assim feito Vicente

Tá cavando a própria cova.

Chegou de Morada Nova

Lá na vila um certo dia

Um certo homem franzino

Procurando moradia

Alugou uma casinha

E foi morar com a filhinha

E sua esposa Maria.

Esse moço parecia

Uma criança doente

Magro, de baixa estatura

Mas era um homem decente

Não gostava de arruaça

E nem bebia cachaça

Assim como o tal Vicente.

Trabalhava de servente

Pra garantir o seu pão

E num final de semana

Fez a sua arrumação

Pagou, não deixou fiado

E pediu pra deixar guardado

Ao dono do barracão.

Foi a uma procissão

Com a mulher bem contente

Ao sairem da igreja

Foi visitar um parente

Dela que ali morava

Porém não imaginava

De se encontrar com Vicente.

O bandido saliente

Ao ver o homem baixinho

Se aproximou do casal

E disse devagarinho

«Tu é novo por aqui

Porque eu nunca te vi

Cruzando no meu caminho.

Agora, meu amiguinho,

Aproveite a ocasião

E vamos tomar comigo

Uma pinga no barracão.»

O rapaz, muito educado,

Respondeu-lhe, - Obrigado,

Eu num tomo cana não.

Vicente pergunta então:

- E essa, é sua mulher?

Eu dela tou me agradando.

Mesmo se ela não quiser

Hoje vai sair comigo.

Assim na cara eu te digo

Pra que tu saiba quem é.

Seu cabra besta, mané,

Acho bom não se alterar

Hoje tu fica sabendo

Quem manda neste lugar.

Saiba que eu sou Vicente,

Se tu é inteligente

Cale-se pra não apanhar!

O outro sem se alterar

Falou de cabeça fria

Se dirigindo à mulher:

- Tu vai com ele, Maria?

A mulher nem se alterou

Só disse: - Viva eu não vou,

Nem mesmo morta eu iria!

Sou uma mulher de valia

Não gosto desse moído

Sou honesta, respeitada

E fiel ao meu marido

Que me dá felicidade

Também não dei liberdade

A esse tarado bandido.

Disse o homem, comedido,

- Ouviu o que ela disse?

O tal bandido insolente

Disse: - Ouvi essa tolice.

Mulher comigo é assim

Goste ou não goste de mim

Só conversa babaquice.

Toda essa esquisitice

Só me deixa mais tacanho

Quando quero uma mulher

Na paz ou na força eu ganho

Mesmo sendo de um gigante

Um homem forte e possante

Quanto mais do teu tamanho.

O baixinho ficou zanho

Com tamanha saliência

Já foi ficando nervoso

E perdendo a paciência

Reclamando em toda altura

Com palavras fortes, duras

Tentou tomar providência.

O outro com maledicência

Ria da situação

Desfazendo e esnobando

Na maior provocação

Se calou sobressaltado

Com um punhal encravado

No centro do coração.

Vicente caiu no chão

Sem conseguir seu intento

O homem assim demonstrou

Ali naquele momento

Para um homem de coragem

Valentia é pabulagem

Tamanho não é documento.

Deixo aqui meu pensamento

Praquele que é valentão

É preciso ter cuidado

Agir com moderação

Prepotência e arrogância

Agir com ignorância

Só faz perder a razão.

Brigar não é solução

Destrói a vida da gente

É melhor manter a calma

Ter uma vida decente

Quem é bravo e desleal

Poderá ter um final

Igualzinho ao de Vicente.

Série Cangaceiros - Vol. XLIII

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 11/02/2012
Reeditado em 11/08/2014
Código do texto: T3493582
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