SACI PERERÊ

Eu me vesti de saci

Na noite de halloween,
Um trem estranho senti,
Pulando dentro de mim,
Aturdido então fugi,
Adentrei mata sem-fim.
 
Topei um garoto zorro
Se rindo como ninguém,
Rodopiando em seu gorro,
Que nem coisa ruim do além.
Naquele moleque forro,
Meu corpo girou também.
 
Na esperança que o saci
Abortasse a diabrura,
Espaventado corri
No meio da mata escura,
Perdido que nem zumbi
Saído da sepultura.
 
Mas o moleque danado
Rodava que nem pião,
Deixando-me estonteado
Naquela situação,
Sem poder ficar parado
No meio da agitação.
 
Fui entrando mato a dentro,
Sem saber pra onde ia,
Cabeça fora do centro,
No corpo que rodopia,
Na boca, um sabor de coentro,
Na fala que não saía.
 
Foi aí que vi, então,
Um ente descomunal,
No corpo de um anão
Montado num animal,
Pelado que nem adão,
Brandindo seu arsenal.
 
Coberto de farto pelo,
A cara de um olho só;
Era aquilo um pesadelo,
De tão feio, dava dó.
Melhor seria não vê-lo
Pra cabeça não dar nó.
 
Era a tal de caipora
No seu porco agarupada,
Que no ato sem demora
Convocou sua brigada.
Um por um, na mesma hora,
Foi chegando à galopada.
 
Caipora então chamou
Curupira e boitatá,
Jaterê aconselhou:
- Chame a Cuca e Rudá.
E a roda se formou
Em nome de Anhangá.
 
Também veio a Iara,
Deus Monâ e Guaraci,
Lobsomem caiçara,
Papa-figo e Abaangui.
No meio da noite clara,
Foi que apareceu Jaci.
 
- Se é saci, não reconheço,
Disse logo Boitatá,
Não vi o moleque travesso
Pulando de lá pra cá;
Com saci, não me aborreço,
É melhor deixar pra lá.
 
- Também não é caçador,
Caipora adiantou,
Bicho-homem é assustador,
Este nem me espantou.
- E nem mesmo lenhador,
Curupira emendou.
 
Mas nesse impasse absurdo,
O que seria então?
Esse estranho abelhudo
Rodando que nem pião,
Com este gorro pontudo
E uma garrafa na mão?
 
O que seria afinal
Esta figura estranha?
Algum duende infernal,
Ou certa bruxa medonha
No meio de um ritual
De uma vil artimanha?
 
- É uma bruxa com certeza,
Afirmou  Mapinguari,
Que saiu da profundeza
Pra engolir nosso Saci,
Pois falando com franqueza,
Coisa igual, eu nunca vi.
 
Veio lá do estrangeiro
Pra fazer feitiçaria
Para o povo brasileiro
Esquecer nossa magia.
Quem aqui é trambiqueiro,
Não merece honraria!
 
- Por Tupã é que suplico,
Salve nosso bom Saci
Desta bruxa que é um mico,
Manifestou Guaraci,
Do meu posto me abdico
Se ela fica por aqui.
 
Sou capaz de ir-me embora
Dessas terras de Anhangá.
Onde reina a Caipora,
Curupira e Boitatá,
Nenhuma Bruxa de fora
De galo aqui cantará!
 
- Muita calma pessoal!
Ponderou Jurupari,
Isso tudo cheira mal
Que nem arte de sagui,
Mais parece um capiau
Travestido de Saci.
 
Não se avexe minha gente,
Vou armar uma arapuca;
Tenho aqui na minha mente
Uma ideia bem maluca:
Colocar o tal demente
No caldeirão quente da Cuca.
 
Ouvindo isso, o Saci,
Num pé-de-vento, acudiu:
- Pessuar, ispera aí
Carái, puta qui pariu!
Qui furdunço é esse aqui?
Deu um trago e se riu.
 
Nun tá veno qui sô eu
Festejano o raloím,
Co´o  bocó qui si meteu
Co´os assunto do sem-fim?
Esse abeiudo aprendeu
Qui ninguém manga de mim!
 
Atarantado fiquei
No meio da confusão.
Quis correr, mas tropiquei,
Cai de cara no chão.
Depois de um tempo acordei,
No meio de um capão.
 
A noite havia fluido,
O dia já estava a prumo.
Matutando o acontecido,
Levantei meio sem rumo.
Foi um sonho descabido!
A desculpa, logo assumo.
                                                                
Mas olhando bem pra mim,
Eu me vi como um saci.
Lembrei-me do halloween,
Como fui parar ali,
Da bicharada em motim
Á  beira de um frenesi.
 
Nessa noite de zumbi,
Na minha imaginação,
Sem querer eu aprendi
Muito caro esta lição:
Em terra de Rei Saci,
Halloween não vinga não!
 
Toda lenda neste mundo
Segue a própria tradição,
Num sentimento profundo
Na alma de uma Nação,
Não importa se oriundo
Da crendice ou da razão.
 
É tão rica a nossa lenda
Quanto a nossa natureza,
É preciso que se aprenda
Valorar esta riqueza,
Retirar de vez a venda,
Pra enxergar nossa grandeza.
 
Celebrar lenda estrangeira
É sinal de ignorância,
Mas a mídia interesseira,
Por dinheiro e por ganância,
Pra cultura brasileira
Não dá devida importância.
 
Vai o povo, alienado,
Nossas crenças esquecendo,
Matando nosso legado
De forma que não entendo.
Um povo tão liberado,
Mas como escravo vivendo.