MARIA VARRE MUNDO

Maria era uma jovem

Que gostava de arrumar

Toda bagunça da casa

Dia e noite sem parar

Foi assim desde criança

E depois de se casar

Tinha sempre um pano à mão

E motivos pra limpar

E um cuidado que aumentou

(o que era de se esperar)

Quando o amado cantou:

- Tudo limpo? Vou ficar!

Certo dia aconteceu

Depois de a casa limpar

De vê-lo em outra casa

N’outra janela a cantar

E Maria coitadinha

Pôs-se logo a perguntar

Será que ele viu poeira

Lá na sala ou no porão?

Será que encontrou sujeira

Na geladeira ou fogão?

E em cima do armário?

Será que não limpei não?

Será que tinha algo sujo

Ou quem sabe mal dobrado?

Foi lá pelo guarda-roupa?

Tinha algo bagunçado?

Numa peça de seu uso?

Algum jaleco manchado?

E com medo da verdade

Para a tragédia explicar

Maria se perguntava

Enquanto estava a chorar

Criando muitas respostas

Tentando se enganar

Certa hora ela pensou

Enquanto se consumia

Que mais limpa que a sua

Outra casa não seria

E disfarçando o desgosto

Limpou do telhado à pia

Depois se foi pela rua

A varrer tudo o que via

Sempre que a tristeza vinha

Sempre que medo sentia

Foi seguindo mundo à fora

Sem pensar no que daria

Varreu noite, varreu dia

Não queria mais parar

Varreu tarde e agonia

Fugindo de seu pensar

Varreu toda ventania

Quando o inverno quis chegar

Varreu o sol do verão

Toda certeza a brilhar

Varreu de seu coração

A vontade de pousar

Do outono varreu folhas

E o dom de se renovar

E enquanto ela varria

Tudo o que ia avistando

Maria ia esquecendo

As dores que iam brotando

Do quanto estava sofrendo

E seguia caminhando

Varreu o Coliseu de Roma

Varreu sim, sem se importar

A Antártica inteirinha

Sem sequer pestanejar

E varreu a Oceania

Numa noite de luar

Varreu alii pela Índia

O belo Taj Mahal

E a Muralha da China

Como quem varre o quintal

O Japão, ao meio dia

No meio de um temporal

E na América varreu

Nosso Cristo Redentor

O imenso Monte Roraima

As praias de Salvador

A Estátua da Liberdade

E também o Arpoador

Na África um leão

Varreu sem se amedrontar

Pois se a questão era medo

Só pensava em escapar

Das garras de seu segredo

Do sofrimento encarar

Maria andou, andou tanto

Que um dia se cansou

Foi então que percebeu

Que muita história apagou

Nas vidas que ela varreu

E agora o mundo acabou

Olhou para todo lado

E nada mais existia

E quando sentou no nada

Somente tristeza havia

Sentiu cansaço nas costas

No rosto o choro descia

E foi assim, sem demora

Que a revelação surgiu

Naquele instante, do nada

Uma criança ela viu

Como uma estrela cadente

Quando uma luz reluziu

Depois chegou uma moça

Desabrochando em botão

Sustentando uma senhora

Que lhe afagou com a mão

Ouvindo seu pensamento

Tocando em seu coração

As três faces de sua vida

Que vieram aconselhar

Trazendo novas verdades

Um novo mundo a brotar

Para no jardim da idade

Uma certeza plantar

Maria então pode ver

O que já não percebia

Entender que a escuridão

Também faz parte do dia

Que a vida não é só feita

De prazer e alegria

Pessoas são como casas

Disse a criança a brincar

Muito em seu interior

Sempre muda de lugar

Como degraus de uma escada

No rumo do madurar

Em seguida disse a jovem

Enquanto estava a bailar

- Nem sempre existe culpado

Quando a lua não brilhar

Nem tudo o que há na vida

Pode-se logo explicar

- O importante é seguir

Sem medo de se entregar

Crescer também pela dor

Com o choro que cai do olhar

Esclareceu docemente

A mais velha do lugar

E quando suas idades

Concluíram o pensamento

Maria acordou do sonho

E foi naquele momento

Que iluminou seu caminho

Dando fim ao sofrimento

E depois daquele dia

Por todo amanhecer

Quis provar da alegria

De melhor se conhecer

Aproveitando seu tempo

Reaprendendo a viver