Calango – O almoço da cerca

Olhe que essa minha vida

É coisa pra se estudar

E às vezes fico a pensar

Se foi praga distraída

Que algum caboco jogou

Quando de certo me olhou

E não gostou do que viu

Ou serviço encomendado

Feito num dia marcado

Que deu no quengo e caiu

É uma gastura danada

Na trajetória (E dá dó!)

Amarga que nem jiló

Que lombriga de piaba

Que limão azedo em corte

Porque parece que a sorte

Sem esqueceu de passar

E agora esse tal distino

Só faz sorrir (Fica rino)

Pra mode me maltratar

Sem fartura de comida

É mais penoso viver

E o que eu fico a fazer

Tendo a barriga contida

É esperar a passagem

De quem faz sempre a viagem

Por essas bandas de cá

Que um dia ele não me escapa

E acaba perdendo a capa

Pra mode o sal apurá

É um calango atrevido

Com porte de salafrário

Que passa no mesmo horário

Com aquele ar de bandido

Se deita na minha cerca

E eu torço é que ele perca

O equilíbrio algum dia

Que dou-lhe uma manivela

E esquento a maior panela

Pra fazer minha alegria

Pra bem dizer, muitas vezes

Tentei caçar com o terçado

Mas é ligeiro o safado

E a guerra se faz há meses

Desde que usei o estilingue

Armando ali o meu ringue

Com pedra, chumbo e com a mão

Pois qualquer dia me arreto

Tomo Pitú no boteco

E atiro é com um canhão

Certa vez fiquei sentado

No meu banco de madeira

Cum galho de goiabeira

Escondido atrás do mato

E quando ele passou

Um grande susto pegou

Eu pensei “Vai ser agora”

Mas o danado fugiu

Tão rápido que ninguém viu

Não era aquela sua hora

Aí chamei foi Pipoca

Minha cadela valente

Esperta, parece é gente

Perita em caça de toca

Sentei na frente de casa

Fingi dormir (pra dar asa)

E o meliante chegou

Gritei “- É agora, Pipoca”

- Hoje o almoço é paçoca!!

E a confusão começou

Ela correu foi ligeira

Com aquela raiva no olhar

Tava querendo matar

Babando numa doideira

Se arrebentou pelo arame

E aquilo virou tatame

Penso que tinha torcida

Calango desesperado

Com a garra dela no rabo

E a guerra tava vencida

Isso foi o que pensei

Quando calando arriou

Deixa está que se jogou

E eu foi que me enganei

Pipoca ficou tontinha

Ciscando que nem galinha

E o barro subiu no ar

O bicho entrou pela casa

E eu no grito, no “- Passa!”

Vendo tigela voar

Eita mas que desgraça

Poeira que não baixava

Tanto latido que dava

Pipoca seguindo a caça

O chá caiu no fogão

E o meu restinho de pão

Se espalhou pela sala

Calango todo molhado

Fazendo drible adoidado

E eu atrás, com a bengala

Jarra de barro quebrada

Lençol jogado no chão

Minha santa Conceição

Quase que ficou pelada

Meu pinico derramou

E o bicho então se jogou

Assim num salto mortal

Girando que nem mosquito

(E foi um salto bonito!)

Lá pra fora, pro quintal

Vote, que Bichim ligeiro

Corri tanto que cansei

Na janela me encostei

Achei Calango guerreiro

Dei a mão à palmatória

Pensei em fechar a história

E me convencer com o nada

Mas vi Pipoca correndo

E rezei agradecendo

- Eita cadela arretada!

A pobrezinha já tonta

Não parava de correr

Parecia que ia morrer

Querendo à missão dar conta

Mas era longo o caminho

E ele escapou rapidinho

Ganhando medalha, o moço

Entrou no mato chiando

Como quem fica zombando

E lá se foi meu almoço

Agora todas as tardes

Ficamos eu e Pipoca

Olhando, marcando toca

Só na manha (sem alardes)

Esperando ele passar

Pra talvez recomeçar

Toda aquela confusão

Quem sabe a força do tempo

Pela sorte que há no vento

Põe Calango em nossa mão