Zé galinho e a eleição de seu Raposo

Era um tempo de campanha

Um tempo de votação

Onde os pescoços rolavam

Direto pro caldeirão

Um tempo em que seu Raposo

Um animal quase idoso

Pleiteava uma eleição

Zé galinho, um frangote

Certo dia foi passando

Pisou no rastro da sorte

E assim meio no engano

Deu de cara com Raposo

Quando ia virando almoço

Dum jacaré africano

E aí esse tal frangote

Depois de uma bebedeira

Nem se tocou do perigo

E numa queda certeira

Deu com o seu cotovelo

No jacaré que, sem vê-lo

Fugiu doido na carreira

Raposo, muito abalado

Por pouco não foi comido

E achou que Zé, o bebum

Muito valente tinha sido

Salvando a sua vida

Pouco antes da mordida

Antes de ser engolido

Venha cá, meu bom rapaz

Que vou lhe retribuir

Você salvou minha vida

Daqui não posso sair

Sem antes agradecer

E algo de bom lhe fazer

Pois melhor vou me sentir

Vixe Maria, cruz credo!

Do que é que ocê tá falando?

Não mato mesmo nem mosca

Eu estava aqui só passando

Pelo visto em hora errada

Isso é alguma enrascada?

– Vai ser a nona do ano!

Confie em mim, não se avexe

Que a hora não é incerta

Serás o meu capataz

Numa missão meio ‘esperta

Pois se o tempo é de eleição

Eu, com um galinho de “irmão”

Terei é vitória certa

Tá vendo ali o galinheiro?

Você vai se infiltrar

Vai se juntar aos frangotes

E a todos vai conquistar

Prestando atenção no assunto

Que é pra não virar presunto

- E em mim tudim vai votar!

Eita que o galinho surtou

Alterou toda a missão

E um plano ele elaborou

Trançado mesmo no chão

Montando tudo do zero

Se sentindo o próprio Nero

Imperador da ilusão

E aquele galim bebum

De pouca dignidade

Com o crânio cheio de pum

Nenhuma civilidade

Criou logo asa no pé

E contratando um chofer

Foi posar de artoridade

Entrou pelo galinheiro

Cuspindo ordem adoidado

Com ares de carniceiro

E um verso bem decorado:

– Tá tudim em minha mão

E não me contrariem não

Que hoje eu tô é arretado!

Que penugem estão vestindo?

Quem mesmo vai ser eleito?

Não quero mais ninguém rindo!

Ninguém falando em direito!

E até o fim da eleição

Aguentou-se a opressão

Porque não tinha outro jeito

Mas os bichos do poleiro

Não eram bobos. Ah não!

E armaram um bom atoleiro

Discreto e sem confusão

Pra Zé Galinho saber

E o seu Raposo aprender

(Pois que haja a votação!)

E qual não foi a surpresa

O olhar de embabacado

Quando a galinha da mesa

Cacarejou o resultado

Seu Raposo tinha perdido

E Zé galinho, num grito

Foi-se pro chão desmaiado

Que péssima encenação

Quem estava ali foi vaiando

Raposo, que perdeu feio

Terminou se coformando

Mas Zé galinho, arretado

Despenou-se endiabrado

Gritando e ameaçando:

- Vou despedir todo mundo!

Quero nem saber quem é!

Se não foi para a avoada

Vai ser servido em coité

Pois não aceito nem morto

Esse resultado torto

Que eu não sou nenhum mané!

Volta tudim para a fila

Sem brecha pra explicação

Quem eu chamar pelo nome

Vai logo pro caldeirão

Que hoje eu tô é cu’a peste

E vou baixar do Nordeste

O meu santim Lampião

Dorotéia, onde tu estavas

Na hora da decisão?

Que cor de pena usavas

Cadê a bandeira na mão?

E quantos votos bicou

Quantos santim entregou

Nem responda!... Caldeirão!

Jurubeba, minha filha...

Que cor de pena que é essa?

Se estivesses despida

Até te livrava dessa

Olha aí outro operário

Se veste a cor do contrário

É caldeirão, sem conversa

E Jenesus? Quedi ele?

Onde é que ele está?

Foi pra bicoterapia?

Vou despedir e é pra já!

Vou mandar pro caldeirão

E avisar (De orelhão!)

Que é pra poder humilhar

E assim foi naquele dia

E no outro que seguiu

Nas semanas que passaram

E por todo o mês se viu

Que o galinho demitia

(Era tudo o que fazia)

Até quem ele nunca viu

Mas quando foi questionado

Durante uma reunião

Usou resposta bonita

Coisa de dar emoção

Texto todo decorado

Com detalhe ensaiado

E um lenço (pasmem) na mão:

- Nesse mundo galináceo

Buscamos sempre a verdade

Havendo algo de errado

Usamos de hombridade

Por isso, no galinheiro

A justiça vem primeiro

Em nome da igualdade

Seu Raposo vendo aquilo

Cansou-se de tanta asneira

E resolveu (Já bem tarde)

Acabar com a brincadeira

Pôs o caldeirão no jogo

Chamou Zé perto do fogo

E aí foi só choradeira

- Ôxe, pinto... Que que é isso?

Nem disse ainda o que é

Tu já se pôs tão pequeno

Pior que bicho de pé

SÊjes homi! Se levante!

Que a conversa é importante

E o tempo é curto, seu Zé

Olhe... Ando insatisfeito

Com o que vem acontecendo

O galinheiro chorando

Minha imagem enfraquecendo

Parece que é o fim do mundo

Ou algum poço profundo

Que você está me metendo

Tua fama já se espalhou

Até aí, tudo bem!

Mas tudo que você faz

Leva meu nome também

E isso pegou foi mal

Porque os galos do quintal

Tão me olhando é com desdém

Daqui a pouco, acredite

Não vou nem poder sair

Muito menos ser eleito

Nessa região aqui

E olhe, se eu me der mal

Vou servir pro pessoal

Frangote à catupiri

O sr. conhece a receita?

Pois ninguém vai resistir

Que é de comer até o osso

E ainda querer repetir

E com a fome que eles tão...

Olhe que esse caldeirão

É pouco, não vou mentir

E então? O que o sr. me diz?

Vai parar com a brincadeira?

À propósito, aproveite

Pra devolver minha bandeira

Que durante a votação

Você tirou de minha mão

Pra fazer de escarradeira

Seu Raposo eu não entendo

Fiz tudo pelo senhor

Roubei foto, plantei provas

Alterei computador

Comprei voto de serpente

E ameacei um parente

Que hoje lhe tem é amor

Tudo isso pra garantir

A mais perfeita eleição

E agora o senhor me chama

Querendo uma explicação?

Pois já que sou desonesto

A minha alma eu lhe empresto

E escapo do caldeirão

Eita frangote estragado!

Uma dessa eu nunca vi

Põe a alma em promoção

Por medo de um tucupi

Se vai trabalhar direito

Então o trato tá é feito

E esse papo acaba aqui

Entendeu, seu Zé galinho

Já pode se levantar

E para fechar essa história

No cargo pode ficar

Mas haja com discrição

Para evitar confusão

Com os bichos desse lugar

E isso de ser honesto

Aqui num carece não

Galo assim que nem você

Meu setor tem precisão

E digo: Quem empresta a alma

Com essa frieza, essa calma

Nem merece extrema unção

Valei-me, Nossa Senhora!

E chega de demissão!

De botar galo pra fora

De cena, de dramalhão

Vamos nos unir ao povo

Que quero é tentar de novo

Já na próxima eleição.

- FIM -