O Caipora (não é cordel autêntico)
Eu nasci no dia treze
Sexta-feira de agosto
Era noite de lua cheia
Sou nascido de aborto
Duma mulher mundana
E mãe morreu de parto
E pai de beber cana
Nomeado de azarado
Sem carisma fui criado
Verdadeiro Zé ninguém
No hospital eu fiquei
Mas ninguém veio reclamar
E por nascer muito feio
Expulsaram-me de lá
Fui criança sem escola
Cresci cheirando cola
Sujo, feio, fedorento,
Com fome e desamparo
Hospedeiro de doenças
De brigas e de arengas
Sou realmente azarado
O tempo foi passando
A situação agravando
Vivendo feito indigente
Magro, pálido e doente
A barriga roncando
Sem nada para comer
É duro sobreviver
Palmo de terra eu arrendei
E ao plantio me dediquei
Muita perseverança
Cheio de fé de esperança
Do meu legume colher
Minha família manter
E viver na sustança
A chuva não me ajudou
A planta no chão secou
Sem ter meios para irrigar
Foi melhor me consolar
O que da planta sobrou
A lagarta devorou
Quase morro de fome
Arresolvo o dilema
Casando com Helena e
Molduro o seu retrato o
Nariz arrebitado
Quadril largo recheado
Pernas longas e grossas
C’olhos arregalados
Na certeza do abafo
C’a mulher ao meu lado
Fomos para a novena
Andando de braços dados
A mulher se agitava
E acenava nervosa
Parecia desconfiada
Na metade do sermão
A mulher não rezava
C’olhos arregalados
Que procuravam alguém
Quando o padre pregava
Ao ouvir suas palavras
Descuidei da Helena
Tendo encerrado o sermão
O padre fez a benção
Ao erguer a taça vinho.
E por trás do altar se via
Que tais beatas se reuniam
Para cantar bendito
Lembrado nas orações
Os crentes foram saindo,
Logo me vi sozinho
Perdido na multidão
Impaciente esfreguei as mãos
Procurando nervoso
O pedaço precioso
Que vivia na comunhão
Incansável procurei
Pelos lugares eu andei
Em longas noites sem fim
Caminho bom ou ruim,
Amontado cavalguei,
Muitos rios eu naveguei
Mas a mulher levou fim
Mais anos transcorreram
O meu amor esmoreceu
Noutro lugar fui morar,
As minhas mágoas curar,
Escapar da solidão,
dar motivo ao coração
De novo me apaixonar
De viajante trabalhei
Por vários cantos andei,
Subindo e descendo
Vendendo os produtos
E por acaso encontrei
Aquela a quem mais amei,
Um homem que a abraçava
E em sua língua chupava
O corpo dela tremeu
Ouvindo-se meu grito
Ela afastou-se Romeu
Cara de jararaca
E ele tinha uma faca
Dei-lhe um tiro e ele morreu.
Diante daquela cena
Ela tremia assustada,
Falava e soluçava
Quase fiquei com pena.
Recuperei do susto,
Peguei ela pelo pulso
Matei à safada a lenha