Pedro Sete Dedos

Hoje homem, quase morto,

Velho trapo que atrapalha,

Tive o certo e o torto,

Vi a cara da batalha.

Lembro bem, até lamento,

Não a vida e nem a sorte,

Mas a seca e seu tormento,

Que era amigo da tal morte.

Coronel Justino Freitas,

Homem rico, perigoso,

Tinha rugas meio estreitas,

Casarão muito vistoso.

Tinha um "cabra" a tira colo,

Um certo José da Mata,

Conhecedor de cada solo,

Cada res, cada barata.

Era andado pelo mundo,

Viu o rio e viu o mar,

E nesse saber profundo,

Até o céu foi estudar.

Contou que o sol é astro rei,

E a lua sua senhora,

Que o céu tem a sua lei

Que rege tempo, rege hora.

Certa noite muito escura,

Quando toda a meninada,

Pele branca e escura,

Brincavam na calçada,

José da Mata olhou "pro" céu

E não mais parou de olhar.

E olhava assim ao léu,

Feito boi a ruminar.

E aos poucos, assim bem lento,

A brincadeira se aquietava,

Nem a fome do momento,

Esquecimento nos causava.

Ver o Zé daquele jeito,

Espantava dor na barriga,

Escondia o nó no peito,

Acalmava até "lombriga".

Perguntei: seu Zé tá bem?

Quase pondo os bofes fora

Tanto era o medo deste homem,

Parado ali, naquela hora.

Só vejo uma estrela que cai,

Falou baixinho, sem mexer.

Depois disse, vai, vai, vai..

Vai com Deus, estrela, ter.

Agachou naquele instante,

Arrastou a mão no chão,

Vasculhando inconstante,

Pôs uma pedra na mão.

Guardou no bolso sem olhar,

Olhou para gente e falou:

Toda vez que uma estrela passar,

Pegar uma pedra eu vou.

Quando em casa em minha cama,

Guardo em baixo sem nada ver.

Assim sonho com a dama

Que um dia eu irei ter.

As estrelas têm magia,

Eu sei, eu estudei eu vi.

E para quem quiser um dia

Poder fugir, sumir daqui,

Corte o dedo quando então

Vir cair uma cadente.

As três gotas que cairão,

Irão virar semente.

Mas não semente de pó,

Nem de fruta, nada disso.

É de algo belo por si só,

E digo, melhor que isso,

É de ouro que estou falando,

Cada gota uma pepita.

Acreditem, estou jurando,

Por Deus e Santa Rita.

Fui para a casa pensativo,

Pus peixeira na cintura.

Para poder ser criativo,

Por confiar naquela jura.

Mas a estrela não caiu,

Ninguém viu, nem mesmo eu.

E a fome não partiu,

A miséria permaneceu.

Mas numa noite feito breu,

Quatro anos já passados,

Veja só o que aconteceu

Lá para as bandas dos serrados.

Apareceu na noite a dentro,

Uma estrela a cair.

Do pé da rua até o centro,

Ninguém parou para reagir.

Pensei na fome que ardia,

No Roberto e na Gertrudes,

Na Antônia e na Maria,

Mas não pensei nas virtudes.

Nem mesmo nos defeitos,

Pois eu só queria o bem.

Corri mais do que meus feitos,

Fui mais rápido que um trem.

Fui para casa, e por lá fico,

Acho uma faca e coragem,

Pego logo um penico

Faço mais que pode um homem.

Para que três gotas somente

Se nossa fome é gigante.

Passou um litro na mente

Que então ficou constante.

Vi o brilho bem ao fundo,

E a dor era tamanha.

E um sentimento profundo

Fez brotar da entranha.

Coisa que não ouso falar

Mas que ouro não era não,

Embora brilhasse sem parar,

Era sangue do coração.

É por isso que eu digo

Para quem quiser ouvir.

Não curei a fome do amigo,

E nem pude mais dormir

Desde este dia trágico

Em que perdi meus medos,

Todos dizem, até o mágico:

Eis o Pedro Sete Dedos.