LAMPIÃO: HERÓI OU BANDIDO?
LAMPIÃO: HERÓI OU BANDIDO?
autor: José Rodrigues Filho
Vou escrever um pouquinho
Sobre a família “Ferreira”,
Que se diz neste país,
Que não tem eira nem beira,
Mas mostrou para o Brasil,
Ter coragem verdadeira.
Pois nasceu em Pernambuco,
Na antiga Vila Bela,
Um “Ferreira” destemido
Artesão de rédea e sela,
Que junto com três irmãos
Elevaram o nome dela.
Juntos Antônio Ferreira
E seu irmão Virgulino,
O mais novo Ezequiel,
E o do meio Livino,
Ergueram esse sobrenome
Lutando contra o destino.
Sendo família pacata,
Ordeira e trabalhadora,
Crente e temente a Deus
E da igreja seguidora
Viu-se obrigada a entrar
Em luta exterminadora.
01
Virgulino, aos nove anos,
Fez primeira comunhão
E aos quinze foi crismado
Junto com os três irmãos,
Amansava equídeo brabo,
Foi tropeiro e artesão.
Aos dezessete era noivo
De uma prima materna,
Tinha uma tropa de burros
Fruto da lida paterna,
Conheceu muitas cidades
Ninguém lhe passava a perna.
Vendia e comprava tralhas
Nos municípios vizinhos,
Fazia e vendia selas,
Arreios, cachaça e vinhos
E conheceu palmo a palmo
As estradas e caminhos.
Também, em outros Estados,
Passou a negociar,
Paraíba e Alagoas,
Indo até ao Ceará,
Isso lhe valeu bastante
Pra o cangaço comandar.
02
O futuro dos “Ferreiras”
Parecia que ia bem,
Mas o destino perverso
Sempre quer punir alguém,
Uma rusga com um vizinho
Fez a família ir além.
O prepotente vizinho
Era um tal Zé Saturnino,
Que da família Nogueira
Era parente e, ladino,
Inventou uma estória
Incriminando Livino.
Por ter cargo na justiça,
Esse tal Zé Saturnino,
Insuflado por Nogueiras
Feriu e prendeu Livino
Isso deixou os “Ferreiras”
Com nervos batendo pino.
Por decisão da justiça,
Decerto manipulada,
Os “Ferreiras” foram expulsos
Da hoje Serra Talhada,
Indo morar em Alagoas
Onde outra trama era armada.
03
Mesmo morando distante
De Saturnino e Nogueira,
Estes sempre perseguiam
Os filhos de Zé Ferreira,
Com Tenente Zé Lucena
Pau mandado dos Nogueira.
Temendo cair nas garras
Do Tenente Zé Lucena,
Virgulino e seus irmãos
Deixam a casa de Sulena,
Sua mãe já desgostosa
Morre de tristeza e pena.
Zé Lucena se homizia
Na casa de Zé Ferreira,
Esperando o retorno
Do resto da cabroeira,
Pois pensava que voltassem
Pra homenagem derradeira.
Mas os moços não retornam
Como Lucena esperava,
Este rancoroso e frio
Fez o que o patrão mandava
Matando José Ferreira
Quando milho debulhava.
04
Aí não teve mais jeito
Pra Virgulino e irmãos,
Com Antônio e Livino
Se embrenharam no sertão.
E junto a Sinhô Pereira
Foram buscar proteção.
Pouco depois de dois anos
Servindo a Sinhô Pereira,
Do bando assume o comando
Sendo, pela vez primeira,
Chamado de Lampião:
Clarão de bala certeira.
O próprio Sinhô Pereira
Quando viu Ele atirando,
Com tamanha rapidez,
E os macacos derrubando
Viu na culatra do rifle
Um clarão se alumiando.
Virgulino é Lampião!
Novo rei, novo reinado;
Nasceu para ser modesto,
Teve o destino mudado.
Briga agora contra o mundo
Criou fama de malvado.
05
Passou a invadir cidades
Quando não era atendido,
Nas cobranças que fazia,
Coisa mesmo de bandido,
Por isso, nos sete Estados
Foi bastante perseguido.
Em todo lugar que andou
Matou civil e fardado;
Civil quando era preciso
E o cabra fosse safado,
Assim como Zé Calu
Pelos ovos pendurado.
Esse latifundiário,
Tido por incestuoso.
Comia as filhas novinhas,
Assim comentava o povo,
Lampião lhe fez justiça
Deixou o cabra sem ovo.
Nas persigas desse evento
Morreu seu irmão Livino,
Conhecido por Vassoura,
Lampião ficou sem tino
E foi-se reagrupar
Pra seguir o seu destino.
06
Livino morreu, em julho
Do ano de vinte e cinco,
Em combate com Volantes
Lutando com muito afinco.
Morreu, no ano seguinte,
O mais velho, se não minto.
Vinte e cinco de dezembro
Um Natal muito azarado,
Uma arma disparou
Sem alguém ter manejado
Alvejando Antônio Ferreira
Tendo-lhe a vida tirado.
Justamente em vinte e seis
Lampião tinha logrado
A sua maior vitória
Contra as tropas do Estado,
Derrotando quatrocentos
Com cinquenta do seu lado.
Foi também em vinte e seis
Que esteve em Juazeiro,
Pra tornar-se Capitão
E deixar de ser cangaceiro,
Saiu de lá com a patente,
Munição, armas e dinheiro.
07
No ano de vinte e sete,
O caçula Ezequiel,
Também entrou pra o cangaço,
Mas em trinta e dois morreu
Em combate, com macacos,
Foi corajoso e fiel.
Mas, antes, no ano trinta,
O rei do cangaço inova,
Leva Maria Bonita
Para o bando e a turma aprova,
Mais de quarenta mulheres
Seguiram essa vida nova.
Lampião ficou mais calmo,
Poucas vezes combatia,
Vivia mais acoitado
Com os encantos de Maria...
Gozaram quase oito anos
Quando, enfim, chegou o dia.
O dia em que o casal
Deu o derradeiro gemido.
Muitos não acreditaram
Que isso houvesse ocorrido...
Lampião, por seu moral,
Foi mais herói que bandido.
Amélia Rodrigues-Ba. 17/05/2015.