De Repente

Sonhei que era um repentista. Cheguei com minha viola bem na subida da rampa do palácio e, inspirado pelas manchetes que têm freqüentado os jornais ultimamente, comecei a cantar:

Comprado a bom dinheiro,

Não sei se foi ou não foi.

Nem dá pra explicar ligeiro

De onde vem tanto boi.

Do gado do tal Roriz,

O assunto que anda em voga

É que tem até juiz

Com grana por sob a toga.

Não demorou para que fossem chegando uns curiosos e se formasse uma rodinha à minha volta. E eu continuei.

O outro cara-de-pau

Vai ver tem corpo fechado.

Só diz “Eu não fiz por mau”

E ainda não foi cassado.

De onde veio o dinheiro

Pr’aquela tal de pensão?

Vai ver que fez no banheiro.

Deixem de perseguição!

A cada final de oitava, o povo aplaudia, assobiava e dava gritos de incentivo. E eu seguia

Detido em operação,

Posava de inocente.

O cara tinha um irmão:

Mas logo o presidente!

Correto, sua excelência,

Não quis se sentir envolto.

Mas vejam, coincidência:

O cara já anda solto.

A gargalhada foi uníssona. Mais gente já havia chegado, e eu notava a presença de uns policiais observando à distância. Naturalmente para manter a ordem. Fui em frente.

Condenaram Zé Rainha.

Edmundo também foi,

Mas só prendem galo em rinha

E touro em farra do boi.

Tanta lei nesse riscado...

Tanto papel em conjunto!

Que quando transita em julgado

O réu já virou defunto.

Um sujeito mais desinibido se destacou da multidão e veio me dar um abraço. (Pensei até que fosse um agressão pela quebra do ritmo nos dois primeiros versos, mas não.) Não sei de onde apareceu um banquinho. Queriam que eu sentasse. Que nada! Eu continuei ali firme, de pé.

Cadê os “manés” da gang

“Pensei que era prostituta”?

Se são sedentos por sangue

Que então se engajem na luta.

Já que coragem não falta

Podiam dar uma mão

Pra exterminar a malta

Do Complexo do Alemão.

"Muito bem!!" "Apoiado!!" Eu estava me sentindo o próprio candidato, e confesso que aquilo estava me assustando. Mas, bola pra frente.

Voar está um horror...

Ninguém escapa do atraso.

Não tem nem controlador!

Problemas pra longo prazo.

Até decolar, é duro!

Mas quem tem FAB anda prosa

No chão, o vôo é seguro.

Então só relaxa e goza.

A multidão caiu na gargalhada. Um gritou "Nem o Eduardo güentou com ela!". O outro perguntou "O que esperava de uma sexóloga". Uma confusão. Eu quase não ouvia ao som da viola. A sorte é que quando eu começava um novo verso todos faziam silêncio para escutar. Avaliei a quantidade de gente e achei que já era hora de por um fim naquilo.

Eu agora vou voltando

Se não “os zomi” me pega

Tá muito grande esse bando

E a justiça não é tão cega

Meu cantar é tão somente

Exibir essas mazelas

Elas acabam com a gente

E a gente pinta com elas.

Eu até estava indo bem, apesar de ver alguns engravatados me olhando de cara feia. Mas aí um engraçadinho gritou "Violeiro, a justiça é cega mas não é surda!" Aí eu fiquei meio inibido e resolvi dar a audição por encerrada, antes que errasse alguma nota.

Sérgio Serra
Enviado por Sérgio Serra em 30/06/2007
Código do texto: T547245