Corpo em Chamas.

Corpo em Chamas.

Mãe levantou-se bem cedinho nesse dia

Enquanto pai tirava leite de mimosa,

Lá fora o vento assoviava na palhada

Era mais uma manhã fria e chuvosa,

Minha irmãzinha que era a mais nova da casa

Levantou-se amuada e pouco prosa.

Meu irmão lascando lenha no terreiro

Reclamando do frio e da neblina,

Fui na bica do riacho buscar água

No caminho encontrei vovó Dalina,

No costume do lugar deu-me a benção

Toda molhada com o orvalho da ravina.

Vovô Caetano pendurado na palmeira

Tirando palha pra arrumar sua palhada,

Um bando de Maritaca na Jaqueira

Fazendo uma algazarra danada,

No banhado tio Tobias se ocupava

Defendendo o arrozal da passarada.

Quando cheguei o café já estava pronto

Tinha cuscuz e bolo de fubá,

Isabelsinha em cima do fogão

Caçando jeito de poder se esquentar,

Fogo de lenha que aquece a casa inteira

E mãe cuidando pro fogo não se apagar.

Papai chegou dando berros no terreiro

Porque o cavalo escapou do manguerão,

Toninho deixou a porteira aberta

Era a vez dele de prender o garanhão,

Bom no laço o menino foi ligeiro

E o cavalo ficou amarrado no mourão.

Ali naquele canto tão distante

Naquele dia tudo estava natural,

Nada de novo que pudesse acontecer

Ou qualquer coisa que pudesse fazer mal,

Sem prever nada minha mãe foi lavar roupa

E eu fiquei varrendo a casa e o quintal.

Pai e Toninho foram colher mandioca

Pra fazer farinha na faz. Rodador,

Fora de casa o dia ainda estava frio

Estava melhor porque a chuva parou,

E eu tratei de acabar minhas tarefas

Tudo conforme papai me ordenou.

Lá no fogão o fogo lambia o fundo

Da panela que cozinhava o feijão,

E Isabelsinha com cerca de quatro anos

Cuidava do fogo mexendo nos tição;

Uma brasa viva que saindo do borrai

Ateou fogo em seu vestido de algodão.

Ela pulou do fogão em desespero

Do terreiro escutei a gritaria,

E o fogo no seu corpo aumentava

Quanto mais em desespero ela corria,

Como louco eu saí correndo atrás

Enquanto isso, seu corpo o fogo lambia.

Do riacho sem saber o que fazer

Mãe correu pra ver o que acontecia,

Isabel passou por ela em disparada

E se jogou nas águas que descia,

Mas o fogo já tinha feito seu estrago

E salva-la dessa dor ninguém podia.

Minha mãe jogou-se na água também

E agarrou-se na filha toda queimada,

A pele se soltando de seu corpo

E Isabelsinha gritando desesperada,

O fogo lambeu o corpo dela todinho

E nós já não podia fazer nada.

Chegamos em casa vi meu pai já esperando

Num desespero que só Deus pra consolar,

Vendo a filha contorcendo de agonia

E no seu corpo ninguém podia tocar,

Deitamos ela no banco da varanda

Sem saber o que fazer pra melhorar.

Os vizinhos que escutaram a gritaria

Já estavam esperando nós chegar,

Vovó Dalina batendo clara de ovos

Única coisa que podia aliviar,

E Isabelsinha gritando de tanta dor

Foi se apagando e não pode mais gritar.

Os vizinhos foram chegando pouco a pouco

Tomando conta daquele lugar de tanta dor,

E eu querendo tirar do meu juízo aquela hora

Maldita hora de agonia e de terror

Lutando pra apagar da minha mente

Aqueles poucos minutos de pavor.

E o corpo dela lá no banco da varanda

Perdendo vida num sofrimento sem igual,

Todo mudo ali sabendo que não tinha jeito

Metade do corpo queimado era fatal,

Já sem sentido por tanta dor que sentia

Ouvimos dela o seu suspiro final.

Que Deus a tenha, que Deus a tenha!

Crianças? Longe do fogo. Gordura quente, água fervendo deixam

sequelas incuráveis em nossas crianças.

Guel Brasil
Enviado por Guel Brasil em 30/01/2016
Código do texto: T5528204
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