Boca de noite

Sentado na preguiçosa

Numa noite enluarada

Na calçada da morada

Simples, mas tão vistosa

Com uma brisa gostosa

Soprando ao pé do ouvido

Deixando-me envolvido

Com seu suave açoite,

Assim é a boca de noite

No meu nordeste querido.

E trazida pelo vento

Vem toda a vizinhança

Adulto, velho, criança

E vão tomando assento,

Maria já ta lá dento

Com outras cinco "muié"

Preparando chá e café

E assando bolo de caco

Que chega o céu fica opaco

No sopro da chaminé.

Lá fora um diz assim:

Hoje o tempo ta bonito

Mas eu acho esquisito

Que ta bom, mas fica ruim

Ontem mesmo foi assim

Preparou mas num choveu

E hoje amanheceu

Quente que nem fornalha

Que fui botar a cangalha

E o jumento esmoreceu.

E Zé começa falando

Com bastante comoção

Que perdeu a plantação

Acaba se emocionando

E seu menino olhando

No tamborete da frente

Tão puro e inocente

Peleja pra não chorar

Ao ver seu pai murmurar

De forma tão comovente.

Pra animar a "macharada"

E esquecer o sofrimento

Substitui-se o lamento

Por uma boa piada,

Quase nunca censurada

Mesmo sendo imoral

Mas se pede ao pessoal

Que cada um fique atento

Pois as "muié" tão lá dento

E palavrão pega mal.

História de assombração

Começa a ser contada

E toda a criançada

Fica prestando atenção,

E o aperto no coração

Falta pouco sucumbir

Com vontade de sair

Mas curioso pra escutar

Não para de imaginar

“Mais tarde não vai dormir”.

E chegando a merenda

Cada um vai se servindo

E todos interagindo

Sem briga e sem contenda

E antes que se compreenda

Que o tempo foi vencido

Cada um já tem seguido

Pru’m quarto que lhe acoite,

Assim é a boca de noite

No meu nordeste querido.

Robson Renato

19/03/2016