Se puder agora escute, o que eu tenho a lhe dizer

Um oi arregalado no peixe,

Outro mais baixo no gato

Não sei se digo ou se calo

Não sei quem foi que inventou

Esse estoupou, tal de desagravo!

Só pode ter sido um jumento

Dos beiços tromba de elefante

Pra se tornar um carrapato infante

De tirar sarro da gente.

Esse estoupou, tal desagravo

Fere mais que arranhão

Passa fazendo estrago

Além de machucar um bocado

Os quatro cantos do coração

É uma coisa mais que medonha

Inventada não sei por quem

Só sei que é uma coisa ruim

Que se o cabra não tiver cuidado

Pode levá-lo vexado para o além.

Só sei que não sou galinha

Nem tenho titela estrompada

Pra tá ciscando em terreiro

Antes de chegar a madrugada

Muito menos menino buchudo

Pra ficar com tromba de tudo

Dito por qualquer malagueta

Esses amigos carrapetas

Que não tem se quer respeito

E ver maldade em tudo

Esses amigos carrapetas

Com boca alerta de matraca

De butuca ligada na vida

Esperando a primeira topada

São aqueles que chegam bem cedo

Pedindo um gole de café

Enquanto você ainda escova a chapa

Eles já colhem o que quer

Saem de sua casa na surdina

Fazendo de sua vida um cabaré.

Se puder agora escute

O que estou querendo dizer

Pois o que aconteceu comigo

Não desejo que aconteça com você

Pois não existe coisa no mundo

Pior que a ingratidão

Prática corriqueira desse bicho

Chamado por todos de humano

Porque tem a cabeça grande

Esborrotada de uma tal razão.

Coitada de minha muié

Que passou por uma aflição

Do tamai desse mundo de Deus

Pois o fato se assucedeu

Na calçada da casa da frente

No ranger das cadeiras de uma gente

Que eu tinha inté simpatia

A gente era que nem famia

Té que batero ca língua a fuxicar

Dizeno: sua muié fede que nem gambá!

Fiquei inté sem fala nenhuma

Nos zuvido apenas zumbido

De presenciar um filho da cuca

Pra não dizer palavrão aqui

Falando nas minhas fuças

O que nunca pensei de ouvir

Palavras mais fedorenta

Que o próprio bicho gambá

Foi uma sensação horrível

Impossivel de dar o goto e tragar.

Pense no tamanho da tristeza

Que no meu peito se abateu

Falando mal assim dela

Era o mesmo que falar deu

A coitada num tem culpa

De herdar tamanha feiura

De herança dos seus antepassados

Mas dizer que é fedorenta

Só não tendo vergonha nas ventas

De inventar um falso arretado.

Sei que ela tem os zói alargado

Igualmente a farol de caminhão

Uma venta de chuteira gasta

Bico de papagaio e cumixão

A boca escangotada de trombose

Faltando um bocado dos dentes

O cabelo da mãe de pantana

As zureia estiradas, de abano

Mas é a mulher que eu amo,

Dona inteirinha do meu coração.

Ninguém aqui tem o direito

De falar se quer que ela feia

Levantar um falso desses

Para mim não tem desculpas

Mas eu só coloco a culpa

Numa tal de inveja humana

Essa que nos olha de banda

E faz a vida atravessada

Vinda montada no cavalo do diabo

Despejar entre nós suas artimanhas

A inveja é uma coisa tinhosa

Polvilhada de enxofre

Na muié é linha pra costura

No homem é uma coisa de coice

Desfaz amizade pra sempre

Arranca dente no soco

Cria linha inimiga entre vizinhos

É coisa de cachorro doido

A inveja é irmã do desagravo

Fazendo o mundo vim a baixo.

Minha muié é desabonitada

Lhe falta algumas formosuras

Mas é muié limpa e cheirosa

É o meu maior tesouro

Por ela eu mordo e choro

Não aceito que digam nada

É a coisa que mais quero bem

Ela eu não vendo e nem troco

Não faço nenhum negócio

Por isso não fale dela seu moço!

Não aceito que digam nada

De um coração maior que tudo

De uma alma bondosa

Que adora ajudar todo mundo

Não importa ser limpo ou sujo

Ter nome ou ser desconhecido

Porque o cheiro da vida

É bem maior que o desagravo

Sai das mãos que se entendem

Para ajudar quem bem precisa

Não aceito disse não disse

Então se arretire dessa porta

Minha mulher é sua sogra

Não aceito desrespeito

Diga isso no beco da senhora sua mãe

Uma velha fuxiquenta,

Cheinha de cabelos nas ventas

Sem ter mesmo o que fazer

Melhor que vá descambar os peixes

Para melhor aprender

Respeito é uma coisa boa

E sei que todo mundo gosta

Não saia por aí a toa

Distribuindo seus desagravos

Fazendo no coração alheio

Brotar semente de aperreios

Porque o tempo da vida é curto

Para ser desperdiçado

Veja bem suas palavras

Para não dizer o errado.

Marcus Vinicius