O CORDEL DO GATO LAION (Para Wadson e Silvia)

O gato deu mais um salto

Pulando alcançou o céu

Agora brilha bem alto

Celestial menestrel

Já não caminha no asfalto

No calcário ou no basalto

Fez morada no cordel

Sua aparência erudita

Merecia até soneto

Olhar de gato saudita

Seu andamento, allegretto

Meigo filhote de chita

Pelugem branca bonita

Albino tal qual Hermeto

Pra entender essa guisa

Do nascer até a morte

Em narrativa concisa,

Que pode servir de norte,

Eu faço esforço dobrado

Esmiuçando o passado

Sem impostura e sem corte:

Era feita de canção

E também de labutar

a nossa compreensão

Dessa vida secular

De sonho fez-se razão

Roupa, morada e ração

"Pros mano" se alimentar

Wadson é o mais novo,

O mais velho, Luciano

Foi o segundo quem trouxe

Num ledo findar de ano

Esse bicho de alma doce

Não mordia ou dava coice

Esse singelo bichano

Os seus primeiros instantes

Eram de marasmo puro

Não saltitava em estantes

Quem dirá subir no muro

Não corria, não pulava

Simplesmente "descansava"

Amodorrado no escuro

Soalho, não perdoava,

Embebedava de pelos

Nos pátios onde passava

Desenrolava o novelo

Mamãe se desesperava

E o felino a desprezava

Não atendia os apelos

No corredor espaçoso

Particular passarela

Calcorreava moroso

Parecia uma donzela

Já tinha nascido idoso

Eita felídeo manhoso!

Era a própria Cinderela

Quando reclamava colo

Não aceitava conversa

E havia sempre uma mão

nos seus pelos "submersa"

Nunca recebia um não

Tinha pose e convicção

Típicas de um gato Persa

Eis que um dia, emancipado,

O irmão mais velho partiu

Deixando o gato amparado

Conosco, ele consentiu

Que Laion fosse adotado

Ficando muito animado

Wadson o assumiu

Noutro dia calcei luvas

Fui-me em busca do intento

Era um domingo de chuva

De céu fechado e cinzento

Wadson também fez curva

E encarou a água turva

Por conta do casamento

Deste provir demandou

A jornada desse irmão

De estudante a criador

de um gato meigo e anão

Foi do destino o complô

Nem o tempo desatou

Esse laço de afeição

Afagos, ensinamentos

veterinário, ração;

Preocupações e tormentos,

Alegria e gratidão;

E Deus, lá do firmamento,

lhe concedia o sustento

Dias bons e dias não

Mas tudo tem sua hora

Isso sempre aconteceu

Certo que às vezes demora

Foi assim que assucedeu

Jogando as mazelas fora

O gato gozou da mora

Mas, por fim, adoeceu

Passava tempos na lousa

O meu irmão professor

e também a sua esposa

Um casal trabalhador

Eis que esse par inda ousa

Mesmo atolado em mil cousas

Encher o animal de amor

Um dia daqueles em

Que o mar exala beleza

Que nas cordilheiras ouve-se

O rugir da natureza

Na casa do litoral

Pr'onde, no vento, ia o sal

Pairava um ar de tristeza

Depois de lutar valente

Contra achaque adquirida

Com o corpo já doente

E feição entristecida

O "gato com olhar de gente"

Resolveu seguir em frente

Gastou a sétima vida.

Não acabaria em choro

Essa relação dos três

Meu irmão, em tom canoro,

Até canção ele fez

Esse convívio de ouro

Os preparou pro vindouro,

Os banhou de altivez

Quase ia me esquecer

de uma curiosidade:

Ao tentar nova incursão

Numa Universidade

Apresentou tal canção

E foi aprovado então

Pra segunda faculdade

O gato deu mais um salto

Pulando alcançou o céu

Agora brilha bem alto

Celestial menestrel

Já não caminha no asfalto,

No calcário ou no basalto

Fez morada no cordel

Cassio Calazans
Enviado por Cassio Calazans em 25/02/2018
Reeditado em 14/06/2018
Código do texto: T6263575
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