CONFISSÃO DE UM MATUTO.
Sou matuto aqui do mato
homi de pouca inducação
nunca tivi nunha escola
minha escola é meu sertão
sou pobre e não me ingano
tenho minha limitação,
mas coisa qui nunca dexo
é amar os meus irmãos.
Chove chuva,cai gotera
faz calor ou muito frio,
passa o vento furioso
entorta a bunda do rio,
sô Tião do pé inchado
vivi andando incabulado
cum qui o vento fez cu rio.
Quando vem mês de março
inxada vai picando o chão,
as mãos de Maria minha
vai samiando feijão,
tapa as covas com os pés,
enquanto eu nego bruto
vou covando duro chão.
Cacumbu bria no sol,
suor escorre no rego,
puera sobe pro céu
vai pra Deus essa grandeza,
Deus óia nossa labuta,
taca água no chuveiro,
a terra móia então,
e a semente do feijão
cobre a terra por inteira.
Quando a tardi vem caindo
nós vorta muito cansado,
cada um com seu bornal
e com nossa ropa suada,
eu venho cantando uma moda
minha muié de cabeça bacha
muito poco diz comigo,
eu fico meio bolado
mas fico calado intão,
não a nada mais pirigoso
qui uma muié cansada.
Chego im casa vou a bica
lavo a pueira da istrada,
a muié vai pru fugão
acende as brasa apagada,
e inquanto a fumaça sobe
vou tratando da porcada,
jogo mio pras galinhas,
e quando tá ditardinha
dou um abraço na amada.
Assim vô impurrando a vida
com minha barriga mucha
Deus sabi o qui quê di nóis
disso eu nunca duvido
sabi qui homi do sertão
pricisa dum lugar bom
quando fizer sua dispidida,
rompi a terra desci o véu
pra quando chega no céu
sua cama istá istendida.
Desse modo vou levando
eu mais minha muié,
ela vai óiando pra mim
já sabe o qui eu qué
é tanta a nossa aligria
juro por virge Maria,
que sô um homi de sorte,
corro o óio de sur a norti
vô prestando atenção,
inté fico emocionado
cum qui Deus dexo pra mim
dexo essa terraiada
e essa noite fechada
pra eu deita e drumi.