Trinta e dois anos de saudade
I
Peço a máxima atenção
De vocês para o seguinte:
Esse quadro com requinte
De dor e desilusão,
Que eu trago no coração,
Não faz parte dos meus planos.
Somei os interurbanos,
As dores e fantasias,
Cento e quarenta mil dias
Somando trinta e dois anos.
II
Esse silêncio me obriga
A sonhar mais uma vez
- como um delírio, talvez -
Que eu vivo na cama amiga.
Pensando que ela não liga,
O desprezo eu não aceito.
Porém sofro do meu jeito,
Vivo tentando escapar.
E não sei como evitar
O amor gritar no meu peito.
III
Sei que sou independente,
Entretanto, assim sozinho,
Eu pareço um passarinho
Longe do meu ninho quente.
Ninguém vive a dor da gente
E nem pode compreender
A amargura que é viver
Jogado, sem ter ninguém,
A vida longe de um bem,
De um afago, de um querer.
IV
Corre o cavalo do vento
E o tempo não volta mais.
Sou sofredor contumaz
Que não encontra um alento
Que me afaste o sofrimento.
Esta sina eu não aceito,
Vou vivendo-a contrafeito,
Escrevendo a dor de molhos.
Se eu recitar com os olhos
Ela escuta com o peito.
V
Ninguém vive numa bolha
Nem a vida de ninguém.
Mas, muitas vezes alguém
Fica sem chance de escolha.
Sou levado como folha
Seca pela vida a fora.
Não tem dia, não tem hora
Nem o que me consolar.
Vou morrer de tanto amar
Alguém que já foi embora.
VI
Eu sou um carro sem roda,
Sou bobo, tolo, sem nexo.
Quem não sabe o que é complexo
Nem lembra mais dessa moda.
A falta dela me engoda,
Engana que vai ter fim.
Segue me levando assim:
Como um cavalo peiado,
No deserto abandonado...
- Ninguém tem pena de mim!
VII
O pensamento divaga
Quando me vejo sem sono.
O meu peito no abandono
Em triste pranto se alaga.
Solidão é como adaga
Que fere e deixa o rasgão,
Que me morde como um cão
E no meu ser deixa um vinco:
Trezentos e oitenta e cinco
Meses de separação.
VIII
Não mudei o meu estilo
Por vontade singular.
Tenho que aceitar aquilo
Que não posso mais mudar.
A solidão do lugar
Cada vez me afunda mais:
Sou barco preso no cais,
Cordas velhas nos dormentes;
O que nos faz diferentes,
Não nos torna desiguais.
IX
Esse pedaço de sonho
Guardado por mim somente,
Deixou-me um pouco descrente,
Achando tudo medonho.
Por isso, a pensar me ponho
Apertado o coração.
Nos olhos inundação
Confunde-se com chover:
É procela no meu ser
Provocando agitação.
X
Cada curva desta estrada
Do meu bem me separou.
Hoje já nem sei quem sou,
Não vou lhe dizer mais nada.
Tenho esperança acabada,
Solidão é minha escolta.
Sabe o que mais me revolta
E também me desconsola?
É essa lágrima que rola
E não traz meu bem de volta.
XI
Respiro a louca paixão
Como se fosse oxigênio
Que depois se torna arsênio
E falta a respiração.
Acordo: é desilusão
Pensar que seria lindo
Todo sentimento vindo
De um capricho renitente.
Pulsa a dor resplandecente
No palor de um dia findo.
XII
Só me expôs a fina nata
Essa casca que eu tirei.
Lamento, mas eu não sei
Mexer na medida exata.
Mesmo falando na lata,
Estou longe das melhoras.
Já quebrei muitas esporas,
Frustrei todos os meus planos.
Isso são trinta e dois anos,
Mais de três milhões de horas.
XIII
Grande tristeza menciona,
A promessa descumprida.
Qual nosso papel na vida?
Será que ela se questiona,
Ou nem sequer se impressiona
Com dúvidas e suspeitas?
Através das coisas feitas
Eu vejo as portas bonitas.
Por meio das coisas ditas
E as janelas bem perfeitas.
XIV
Meu suspiro é verdadeiro
Mas ela nem sequer pensa.
Será que faz diferença
Por metade ou por inteiro?
Eu permaneço solteiro
E não procuro ninguém.
Reservo todo o meu bem
Para uma pessoa certa.
Deixo a porta sempre aberta
Crendo que ela um dia vem.
XV
Uma mecha em tom grisalho
Resulta em constatação:
Tanto tempo de ilusão,
De estepe, de quebra-galho,
Não compensou o trabalho
E não foi nada barato.
Já penei, paguei o pato
E quase perdi o prumo.
Nada vai mudar o rumo;
Mas, como negar o fato?
XVI
Foi difícil perceber
O começo do final.
Mas eu fiquei muito mal
Como se fosse morrer.
Sofro em cada amanhecer
Qual passarinho cativo,
Namorado pensativo,
Arrebol perdendo a tinta;
Mesmo que às vezes eu sinta
O milagre de estar vivo.
XVII
As lágrimas que me ensopam
Quem pode enxugar de mim?
Não estou tão velho assim:
Os anos é que galopam.
Nossas vidas não se topam
E o destino não apronta.
Vou agir por minha conta
E já sei o que falar:
Se não manda me buscar,
Eu volto por minha conta.
XVIII
Ouvi dizer muita história
De ternura, de saudade.
Mas eu não sei se é verdade,
Não posso cantar vitória.
Tenho viva na memória
A marca da solidão
Que me morde como um cão
E me apaga as fantasias:
- Cento e quarenta mil dias
De triste separação.
***
(Ritemar Pereira, Pio IX - PI, 23/4/2019)