RELIGIOSIDADE MATUTA

RELIGIOSIDADE MATUTA

LITERATURA DE CORDEL

Autor: Bob Motta

N A T A L – R N

2 0 0 7

A ORAÇÃO QUE NOSSO PAI NOS ENSINOU

Pai Nosso que estais nos céus,

recito no dia a dia.

Na saúde, na doença,

me envolvo em sua magia.

Quando recito, me traz,

conforto, harmonia e paz,

na tristeza ou na alegria.

Santificado que seja,

para sempre, o Vosso Nome.

Ao notar que a minha vida,

o desespero consome,

que Tu, meu Pai Adorado,

jamais saia do meu lado,

e que em teus braços, me tome.

Venha a nós o vosso reino,

Senhor Deus, Nosso Senhor.

Que estejas sempre comigo,

em qualquer lugar que eu for.

Te suplico em oração,

meu Pai, que o meu coração,

sempre transborde de amor.

Seja feita a vossa vontade,

Deus Pai, Filho e Espírito Santo.

Atendei nossos pedidos,

por milagre ou por encanto.

Livrai-nos dos inimigos,

escondei-nos dos perigos,

cobrindo-nos com teu manto.

Assim na terra como no céu,

todo aquele que em Ti, crê,

tem por certa a salvação,

e que não vai padecer.

Tem um pensar mui profundo,

tudo é força nesse mundo,

porém, só Deus é poder.

O pão nosso de cada dia,

dádiva que nos conforta,

alimenta o nosso corpo,

à qual, maldição não corta.

Que ilumines meu caminho,

que eu receba com carinho,

quem bater à minha porta.

Perdoai nossas ofensas,

próprias das nossas fraquezas.

Que fazemos sem sentir,

com maldade e sutileza.

Leva a cometer o mal,

pobreza espiritual,

na certa é a maior pobreza.

Assim como perdoamos,

a quem nos tem ofendido,

a Ti, cabe a solução,

do que tenha acontecido.

Senhor, ouví nosso pleito,

o que fizeres, tá feito,

está tudo resolvido.

Meu Pai, não deixeis cair,

numa tentação banal.

Pai misericordioso,

Nosso Pai Celestial.

Na terra, todos irmãos,

pomo-nos nas tuas mãos,

livrai-nos sempre do mal... Amém!

A HISTÓRA DA FÉ

Há dois mil anos atráis,

cumeça A HISTÓRA DA FÉ.

A históra de Jesus,

De Maria e de José.

José era caipintêro;

e Maria, cumpanhêro,

a vige de Nazaré.

Maria era sortêra,

quando Deus Pai lhe iscuiêu,

mode sê mãe de seu fíi,

e um anjo lhe aparicêu.

Quando ela tava rezando,

o anjo foi se achegando,

e a boa nova lhe deu.

Maria, cheia de graça,

essa visita me induz,

a dizê, bindito é o fruito,

do vosso ventre de luz.

Falô num facho de brio:

Tu vai dá luz a um fio,

qui vai chamá de Jesus.

Maria lhe arrespostô,

bem alí na aparição:

Cumo vai acuntece ?

Eu juro qui num sei não.

Pruquê já me dicidí;

sô vige cumo nasci,

e num me intrego a varão.

Gabrié lhe arrespostô,

abrindo seu belo manto:

É um milagre Divino,

Maria, eu lhe agaranto.

Ela dixe; in mim se faça;

quero arrecebê a graça,

do Divino Ispríto Santo.

E alí, Maria amostrando,

sua grandeza de amô,

do arcanjo Gabrié,

aquêle anúnço acatô.

Tornô-se MÃE DE VERDADE,

de tôda a humanidade,

e de Jesus Saivadô.

Gabrié inda ordenô,

alí na anunciação:

Percure Zé Caipintêro,

abrindo o seu coração.

Deve cum êle casá,

prumode legalizá,

a sua situação.

Maria caso cum Zé,

dispôi da anunciação.

Zé, normamente, na lida,

ela, in sua gestação.

E alí dento de Maria,

tava aquêle qui síria,

para o mundo, a redenção.

E bem pertíin de chegá,

o isperado mumento,

Zé acumodô Maria,

amuntada num jumento.

Uis anjo dissero amém,

e êles fôro prá Belém,

mode o recensiamento.

Quando chegaro in Belém,

já num tinha mais hoté.

Nem um quarto de pensão,

ninhum abrigo, si qué.

Nem um poço angustiada,

Maria, resiguinada,

dixe: E agora, José ?

Vamo dá o nosso jeito,

dixe êle prá Maria.

Adispôi de munto andá,

longe do qui êles quiria;

finamente se arrancharo,

num lugá qui incontráro,

dento de uma istribaria.

Quando foi tarde da noite,

Maria pariu sem dô.

Recebeu duis animá,

solidariedade e amô.

Prá nossa felicidade,

na maió simpricidade,

nasceu Jesus Saivadô.

Meus irmão, foi nêsse hoté,

qui num tem “era uma vêiz”,

de uma istrêla, somente;

a de Belém, digo a vocêis;

qui nasceu o mais amoroso,

tombém o mais poderoso,

O REIS DE TODOS UIS REIS...

DÉCIMA À NOSSA SINHORA

Oh! Santa Vige Maria,

protetora duis cristão,

eu me intrego in tuais mão,

ao amanhincê do dia.

Inlumine o meu guia,

a quem Deus Pai me intregô.

E já qui teu fíi, eu sô,

Santa Mãe, Sinhora Nossa,

guarde cumo coisa vossa,

uis qui a mim, Deus cunfiô...

NO DIA DE SÃO FRANCISCO

São Francisco, no meu verso,

arreceba a saudação.

O Sinhô, qui aos animá,

istende sua proteção,

Apruveitando o seu dia,

quero na minha poesia,

tombém lhe pidí perdão.

Pru tudo de rim qui eu fiz,

no meu tempo de iscola.

Pru todos uis passaríin,

qui eu prindí numa gaiola.

Puros níin qui eu dirrubei,

sem querê, quando chutei,

muntas vêiz, jogando bola.

Puras ribaçã e rolinha,

qui à noite, eu cacei “no facho”.

Puras piaba qui istruí,

nais vertente duis riacho.

Puros quixó qui eu armei,

no sertão adonde andei,

céicado a riba e abaixo.

Puras sariema qui eu,

cumí cumo tira gôsto.

Qui hoje in dia, eu matutando,

inda choro de disgôsto.

Quando o dia vai raiando,

num ôiço mais ela cantando,

mode eu me acordá dispôsto.

Certa vêiz eu acertei,

puramente pru mardade,

uma “lavandera”, andurinha,

infilirmente é verdade.

A tristeza inda me dói,

o remorso me corrói,

mode essa prevessidade.

Hoje eu tô arrepindido,

de tudo isso qui fiz.

Mais, graças a Deus, cuntinúo,

sendo um eterno aprindiz.

O remorso me cunsome,

pru tê caçado sem fome,

fingindo qui era feliz.

São Francisco, nêsse tempo,

nais cidade e no sertão,

num tinha uis aprindizado,

qui hoje in dia ixiste, não.

Num se era penalizado;

caça e pesca, no passado,

era pura divéição.

Ninguém tinha cunciênça,

qui alí, tava cumetendo,

um crime sem precedente,

matando uis bichíin e cumendo.

Nóis, caçadô sastisfeito,

inté batia nuis peito,

e a natureza sofrendo.

Hoje, cuncientizado,

no teu dia, cum emoção,

te cunfesso êsses pecado,

de áima e de coração.

Nuis meus verso, tão somente,

São Francisco, humirdemente,

eu te peço o teu perdão...

T R O V A

Prá mim, são Êles, a luz,

que transforma a noite em dia.

Tudo tenho com Jesus,

nada tenho, sem Maria...

CUNVERSA CUM SANTO ANTÔIN

Santo Antôin casamentêro,

discúipe eu lhe aperriá.

Sô poeta populá,

do nordeste brasilêro.

É cum pesá verdadêro,

qui eu venho inté o sinhô.

Uis povo num tem pudô,

qui nem nuis tempo de ôtrora,

intonce eu lhe digo agora:

Tão assassinando o amô!

O sinhô era, in seu dia,

antes, munto atarefado.

Tinha um trabáio danado,

cum quem namorá, queria.

Cada moça lhe pidia,

dirmanchada in oração,

qui o sinhô, uma paixão,

argúem, prá ela mandasse,

e qui êsse argúem lhe tirasse,

do poço da solidão.

Hoje munto raramente,

se faiz adivinhação.

Faca in bananêra, intão,

só na lembrança, somente.

Santo Antôin, sinceramente,

ninguém mais qué namorá.

Agora é um tá de ficá,

ninguém mais se dá valô;

na sumana, sete amô,

prá cada dia e lugá.

Logo adispôi de ficá,

cada quá vai p’ro seu canto,

no ôto dia, no intanto,

cada quá no seu lugá;

num fica a se lamentá,

nem se qué se manifesta.

Prá todos dois, o qui resta,

é vê se a mente distrái,

e já pensá cum quem vai,

ficá na próxima festa.

Adiscúipe eu lhe afirmá,

mais isso é farta de reza.

A famía qui se preza,

in união, deve orá.

Quando uis jove dispertá,

um dia, se Deus quisé,

para o caminho da fé,

in busca da saivação,

vai vê qui a salução,

É JESUS DE NAZARÉ...

À PERCURA DE DEUS

Um hôme disisperado,

nuis trôpigo passos seus,

no áico, infeliz da vida,

disgrudô duis fariseus.

Num disispêro profundo,

saiu puro mêi do mundo,

loco à percura de Deus.

Foi lá na Igreja Católica,

percurô lá no artá.

No Tempro duis Potrestante,

tava tudíin a orá.

E êle, de riba abaixo,

num sussegava o seu facho,

e nada de a Deus, incontrá.

Foi p’ruis Terrêro de Umbanda,

dano-se a batê tambô,

foi na Igreja Universá,

inté à Deus é Amô.

E incontrá, num cunsiguia,

percurando noite e dia,

Jesus Cristo, Saivadô.

Na incessante percura,

chegô na bêra do má.

Disanimado e cansado,

sentô e se pois a chorá.

E logo qui se assentô,

um garôtíin, avisto;

bem surridente a brincá.

Acêicô-se do garôto,

dizendo de arto e bom som:

Êi, você qui tá brincando,

vistindo short marrom;

me diga adonde Deus tá,

qui eu lhe dô, pode apostá,

uma caixa de bombom.

E o garoto, ao mêrmo tom,

dixe: ÊLE tá nais ruas,

puro mundo, in tôdo canto,

c’ás misericórdias suas.

Se tu qué mêrmo apostá,

diga adonde ÊLE num tá,

qui in vêiz de uma, eu lhe dô duas...

SEXTILHA SUPRICANTE

Meu Deus do Céu, nesse instante,

te peço, Nosso Sinhô.

Perdoe êsse véi matuto,

qui é metido a trovadô.

Qui fáia no insinamento,

qui Tu a nóis insinô...

O CREDO DO MATUTO

Creio in Deus Pai Adorado,

acima do sufrimento,

do sertanejo sedento,

passando a quage água e pão.

Qui Êle de nóis num s’isquece,

qui sempre manda prá cá,

mode ais coisa amiorá,

relâmpo, chuva e truvão.

Creio no amanhincê,

creio no trabáio braçá,

na sariema a cantá,

no linguajá puro e rude.

Creio, Sinhô; no matuto,

qui isbanja sabiduria,

na viola, na canturia,

e na sangria do açude.

Creio no suó pingando,

da quintura e só a pino,

do côipo do nordestino,

c’á sua inxada nais mão.

Creio no ispíin queimando,

p’ro gado se alimentá,

mode a sêca atrevessá,

nais caatinga do sertão.

Creio no xique xique assando,

no sertanejo sufrido,

qui prá lá de dirnutrido,

de mago, quage se some.

No pranto qui êle derrama,

quando um quixó vai airmá,

mode pegá um preá,

mode num morrê de fome.

Creio tombém na cáiga d’água,

de barrenta, quage prêta,

dento de quato ancurêta,

pindurada na cangáia.

Creio no jegue qui carrega,

do barrêro p’ruma jarra,

quage sem fôrça, na marra,

de tanto qui êle trabáia.

Creio na luz do candinhêro,

no fugão de aivenaria,

de menhã, na vacaria;

creio nais vaca leitêra.

Creio nuis barrão, nais póica,

nais uvêia, nais marram,

e no sábo de menhã,

creio no carro da fêra.

Creio no cavalo bom,

no faro de uma boiada,

na sombra de uma latada,

no abôio do vaquêro;

creio no latido avisando,

numa noite inluarada,

qui a caça tá acuada,

purum cachorro perdiguêro.

Creio no gimido do fole,

no ripique do zabumba,

no triângo, na ritumba,

da batida do pandêro;

creio na vazante do açude,

na iscassêiz, na fartura;

creio in cada cubertuta,

de um bode pai de chiquêro.

Creio nais nuve se fóimando,

creio no só s’iscondendo,

cuma quem surrí dizendo:

Tem boa nova no á!

Creio qui a boa nova é a chuva,

qui cumeça librinando,

adispôi vai aimentando,

e vira torrenciá.

Na oração do matuto,

qui ais vêiz nem sabe rezá;

mais qui in seu modo de orá,

agradece ao Criadô.

No vaquêro istrupiado,

qui diz no finá do dia,

na hora da Ave Maria:

OBRIGADO, MEU SINHÔ!...

À NOSSA SINHORA DA CONCEIÇÃO

Oh! Vige da Conceição,

venho in cordel te saudá.

Sô poeta populá,

e hoje, aqui, no teu dia;

fora minha devoção,

Oh! Vige Mãe, pode crê,

só tenho a te oferecê,

meu verso e minha poesia.

Adorada Mãe do Céu,

tua bênção e proteção,

no meu verso, in oração,

eu te suprico daqui.

Minha mãezinha da terra,

aquela qui deu-me a luz,

tá cuntigo e cum Jesus,

certamente puraí.

Mãe do Céu, roque a Jesus,

qui uis hôme seja irmanado,

dialogue disaimado,

sôbre uis distino da terra.

Qui todos uis gunvernante,

de uma manêra eficáiz,

se isforce in favô da paiz;

num quêra nada cum guerra.

Nêsse poema de fé,

quero ao mundo procramá,

nuis meus verso declará,

tôda minha devoção.

Guardai cumo coisa vossa,

o teu fíi qui é menestrel,

qui faiz verso de cordel,

Oh! Vige da Conceição...

BIÊTE PRÁ JESUS

Recebí no amanhincê,

num facho de tua luz,

o teu recado, Jesus,

e arrêsôiví te iscrevê;

mode falá duis probrema,

dais minhas insiedade,

dais minha dificulidade,

qui Tu bem deve de sabê.

Premêro rezei o têlço,

prá Tu, prá Nossa Sinhora,

chorei quage mais de hora,

ixprudindo de emoção.

De tão forte a minha fé,

tão reá a minha crença,

sintí a tua presença,

dento do meu coração.

Meu Jesus, a sensação,

qui eu sintí, foi tão reá,

qui Tu, Pai Celestiá,

tava bem alí do meu lado;

qui eu me sintí protegido,

cumo nunca in minha vida;

tive amô, paz e guarida,

no teu manto, agasaiádo.

Me sintí leve, manêro,

tendo in riba d’eu teu manto,

qui uis probrema, pru incanto,

se perdêro na distança.

Minha cunfiança in Tu,

in resôivê é tão forte,

qui tudíin, prá minha sorte,

perdêro tôda importânça.

Intonce, Pai, te agradeço,

mode vim me visitá,

mode eu tê dento do lá,

tua presença, Jesus.

Prá todo e quaiqué probrema,

in quaiqué ocasião,

vô buscá a solução,

no quilaro da tua luz...

Autor: Roberto Coutinho da Motta

Pseudônimo Literário: Bob Motta

Da Academia de Trovas do Rio Grande do Norte

Da União Brasileira de Trovadores-UBT-RN.

Do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.

Da Comissão Norte-Riograndense de Folclore.

Da Associação Estadual dos Poetas Populares.

Da União dos Cordelistas do Rio G. do Norte-UNICODERN.

Do Instituto Histórico e Geográfico do Cariry Paraibano.

Telefone:(0XX84) 9965-6080

E-mail: bobmottapoeta@yahoo.com.br

Site: www.bobmottapoeta.com.br

Bob Motta
Enviado por Bob Motta em 10/10/2007
Código do texto: T688216
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