" SOU TUDO E NADA SOU".

Às vezes tantos me perguntam,

O que sou eu realmente,

Confesso que sinceramente,

É uma incógnita felizmente,

Resta-me apenas descrever,

Sou o que pretendo ser,

Por esta vida realmente.

Eu sou as trevas da moite,

Pra própria sobra ocultar,

Torno-me o claro do dia,

Pra os segredos revelar,

A fonte que cai da parece,

Posso até matar a sede,

Daquele que precisar.

Eu sou a dor passageira,

De um incauto sofrimento,

Torno-me o santo balsamo,

Pra untar tais ferimentos,

Os olhos secos de sono,

O sardento cão sem dono,

Sou instante e o momento.

Sou o forte redemoinho,

No centro de um furacão,

Sou corrente sorrateira,

Que desliza no cambão,

Não nasci no mês de julho,

E enfim sou o gorgulho,

Pra perfurar o feijão.

Sou farinha predileta,

Pronta pra fazer pirão,

Sou a forte dobradiça,

Que faz girar o portão,

Sou as veias do barranco,

A madeira do tamanco,

O cantar do gavião.

Sou dilema indecifrável,

Das mãos que traiu sansão,

Sou o broto da semente,

As chaminés do dragão,

Sou o álcool que destila,

Também o ácido da pilha,

Que causa a poluição.

Sou aquele calo seco,

Que dói sendo machucado,

Um cavaco da madeira,

Cortado pelos machados,

Sou rio de águas paradas,

A força das enxurradas,

Fúria de um cão amarrado.

Sou a nuvem que desliza,

Empurrada pelo vento,

O ronco da cachoeira,

Que ecoando rio adentro,

A sutileza da serpente,

A força da aguardente,

Que pega no experimento.

Sou a beleza dos vinhos,

Que destilam pelas taças,

O toque de um violino,

A encantar ao quem passa,

Sou o giro do carrossel,

Sou as abas dos chapéus,

Da morena que me engraça.

Sou o canto da sereia,

Que atrai o pescador,

Sou noite de lua cheia,

Do canto o compositor,

Eu sou o nó da madeira,

E a força da corredeira,

Que sufoca o remador.

Sou o entulho encalhado,

Nas margens do oceano,

As cumbucas do telhado,

Como a goteira pingando,

Sou os olhos que vigiam,

Como o fim da agonia,

Da dor que está passando.

Sou a renda do tecido,

Na arte de um tecelão,

Credo cruz e Ave Maria,

Diante de assombração,

Sou o suspiro de alivio,

De um apelo decisivo,

No findar de um sermão.

Sou à força das palavras,

Faladas nas horas certas,

Sou a corda que segura,

Sou a cinta que te aperta,

Um pijama da dormida,

Sou a mente que improvisa,

E a cobra que fica alerta.

Sou o ressonar do urso,

Em seu tempo de hiberna,

Sou de fato o aviador,

Pra abastecer a taberna,

Sou pimenta malagueta,

E quem provar faz careta,

O ardume que governa.

Sou a ponta do chicote,

Pela força do carrasco,

A serpente dando o bote,

No sapo antes do prazo,

Sou encrenca resolvida,

Aquela pérola escondida,

Sou a força dos boatos.

Sou lambada do lampião,

Pra iluminar no escuro,

A perspicácia do ladrão,

Que fica atrás do muro,

Sou a massa e o pedreiro,

A madeira e o carpinteiro,

Das moedas sou os juros.

Sou casebre abandonado,

Repleto de preconceitos,

Sou o motor turbinado,

Que ronca forte e direito,

Sou o gemido da moenda,

Não há nada que me prenda,

Quando me machuca o peito.

Sou o filhote de uma águia,

Pendurado no penhasco,

A cantiga da ave angola,

Que sempre canta tô fraco,

Sou o cantar das juritis,

E as cores dos Bem-te-vis,

O aconchego do barraco.

Sou o sonho da donzela,

Nas noites enluaradas,

O gemido das cancelas,

No vai e vem das estradas,

Sou fruta quase madura,

Do calor sou a quentura,

Que faz suar a boiada.

Sou rama das trepadeiras,

A enfeitar os jardins,

O cantar das jardineiras,

Diante dos querubins,

Sou o enredo da canção,

E o estrondar do vulcão,

A dor da cólica dos rins.

Sou remédio receitado,

Pra o doente se curar,

Sou cavalo emprestado,

Que manca no cavalgar,

Sou a sobra da estrada,

A árvore que foi plantada,

Pra os animais descansar.

Sou o piloto da corrida,

A perseguir a vitória,

O homem que vive a vida,

Revigorando a memoria,

Sou do relógio o ponteiro,

Há rodar o tempo inteiro,

Com a contagem das horas.

Sou o doce do pirulito,

Que dissemina seu sabor,

Do medroso eu sou o grito,

Demonstrando seu pavor,

Sou os pés do aleijado,

Que mesmo atrofiados,

Pra si tem grande valor.

Sou assobio do vento,

Que uiva na aba da serra,

E a possante trincheira,

Dos soldados numa guerra,

Sou chuvisco e neblina,

Sou fogo de morro a cima,

Que sapeca toda terra.

Eu sou um barril de pólvora,

Em tempo de explodir,

E o paladar da maniçoba,

Que o tempo faz diluir,

Sou a chaga mal curada,

Como um rio na invernada,

Que a margem vem cobrir.

Sou o balanço dos barcos,

Com vento na enseada,

E um timão do veleiro,

Pra dirigir a jangada,

O instinto do abelhudo,

Eu pensei que era tudo,

Na verdade não sou nada.

Cosme B Araujo.

18/01/2022.

CBPOESIAS
Enviado por CBPOESIAS em 18/01/2022
Código do texto: T7432167
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