RASTROS DE UM ANDARILHO

Silva Filho

 

 

 

Vou saindo, meus amigos, já é hora

Vou partindo pra cantar noutro terreiro

Nesta vida sou qualquer aventureiro

Sou navio que não zarpa e nem ancora.

Pego a estrada antes mesmo da aurora

Pés descalços, vou cumprir a minha sina

Um artista com um palco na esquina

Um poeta pra contar alguma história

Não que tenha pretendido alguma glória

Mas o verso vez em quando desafina.

 

Sendo assim, vou seguir a longa estrada

Completando o que faltou ao aprendiz

Pra dar certo, desta vez, foi por um triz

Quase deixo uma marca registrada.

Doravante sigo u’a extensa caminhada

Aprendendo com a própria natureza

Com os peixes enfrentando a correnteza

Com as aves enfrentando um furacão

Com o vento que não perde a direção

E a raposa sobejando a esperteza.

 

Entrementes, vou ouvir alguns gorjeios

Pra melhor afinar minha viola

Pois assim nenhum mal me estiola

Nem me deixa em plangentes devaneios.

Já passei por abismos, por enleios

Por ataques, por perigos, por ciladas

Por amigos que cravaram as espadas

Em um peito desprovido de maldade

Dando golpes no que chamam amizade

Malferindo, sem razão, minhas toadas.

 

Andarilho não se prende a paisagens

Muito menos fica preso a conceitos

Não procura esconder os seus defeitos

Quando passa pelas crises de miragens.

Sua vida é composta de bobagens

Captadas em estradas sem destino

Consciência muito leve, qual menino

Tem a mente reservada ao prazer

No caminho que pretende percorrer

Cuja história se converte no seu hino.

 

Sem eventos, sem qualquer hora marcada

Sem estresse do que chamam de rotina

Sem imposto, prestação ou gasolina

Sem metrô, sem perua, sem mesada.

Sem diploma que não serve para nada

Sem os shoppings que arrasam o cartão

Sem o guarda flagrando na contramão

É a vida de quem quer ser andarilho

Que em regra vai passando maltrapilho

Mas repele a cruel escravidão.