A CADELA E O PADRE

É coisa das mais estranhas
Na igreja uma cadela
Deitada assistindo à missa
Vou lá dar uma olhadela
Prá contar essa estória
E escrever uma novela

Tal notícia é verdadeira
Embora pareça estranha
Esse mundo está virado
Pois um padre pos a manha
Numa cadela que achou
Doente com falta de banha

Isso mesmo, não se engane,
O tal animal foi achado
Na clínica veterinária
Porque foi atropelado
Sendo pelo doutor curado
E pelo padre adotado

O padre, muito bondoso,
Sujeito à autoridade
Gente boa, religioso,
Tratou o bicho com caridade
E juntou ele com os outros
Que já tinha na cidade

É que de oito ele cuidava
Pois gostava de animais
Era tão sozinho na igreja
Se pôs só um ou outro mais
Não fazia diferença
Tira ou bota, tanto faz

Mas a cadela, matreira,
E também agradecida,
Colou no padre de jeito
Por ser bichinha sofrida
Tornou-se a companheira
Para ser por toda vida

Calma, que eu vou explicar:
Para onde o padre saía
Ela logo corria atrás
E ao lado dele ela ia
Toda pomposa e fagueira
Era o que todo mundo via

Como foi atropelada
Por um motorista doidão
Ela tinha o maior cuidado
Ficava longe de caminhão
Na faixa de pedestre andava
Cheia de medo no coração

Até mesmo para a igreja
Ela o acompanhava
Pulava numa cadeira
E, caladinha, se deitava,
Não mexia com ninguém
E, decerto, até sonhava

Por vezes a cadela passeava
Entre os bancos da igreja
O toco de rabo abanando
Mas que coisa, ora veja!
E como que ia “sorrindo”
Desse jeito que caleja

E não somente da missa
A cadela participava
Mas de casamento e batizado
E no sermão se deleitava
Vivia uma vida contente
Com todos confraternizava

A inusitada cadela
Tinha por nome Letícia
Era apenas vira-lata
Mas sem ficha na polícia
E sua atitude na igreja
Nada tinha de malícia

O povo foi se acostumando
Com tamanha novidade
Agora todos assistiam
À missa com intensidade
E ninguém mais se importava
Com os boatos na cidade

Sim, porque coisas desse tipo,
Bem sabemos, geram fofoca,
Uns diminuem, outros aumentam
E a notícia a todos toca
Se espalhando feito fogo
Num cercado de taboca

Eu, bem cá com os meus botões,
Fico em contínuo matutar
Sem entender por que o mundo
Em seu permanente rodar
Tem tantas coisas estranhas
Que nos fazem arrepiar

Como tem coisas no mundo
Confusas e interessantes
Pense num fato estranho
Mas pense muito e bastante
E é só desfolhar qualquer jornal
Que eu mostro num instante

Quem haveria de imaginar
Que de fato existisse
Em nosso imenso Brasil
Tamanha esquisitice?
E, olhe, é porque eu não minto
Imagine se eu mentisse!

Dá inclusive pra pensar
Que é tudo imaginação.
Pois onde se ouviu dizer
Que na igreja entrasse cão
Embora esse de que falo
Seja bicho de estimação?

Só que o fato é verdadeiro
Prego batido, comprovado,
Não tem como desmentir
Está todo documentado
E se você desconfiar
Eu mostro o certificado

Sabem onde isso aconteceu?
Na Igreja da Cruz Torta
Lá no Alto de Pinheiros
Numa rua meio morta
Zona Oeste de São Paulo
Onde o vento fere e corta

Foi nesse lugarzinho mesmo
- Não me refiro a dimensão -
Onde o “causo” houve de fato
Como uma grande confusão
E prossegue acontecendo
Com a cadela de estimação

E o capelão agora famoso
Da igreja mencionada,
O que ele fala a respeito
Dessa estória inusitada?
Diz que a bicha é sombra dele,
Brincando sobre a danada

Claro que o amor humano
Pelos animais é muito bom
Vai ativando a existência
E dando à vida um novo tom
Tipo aquele sentimento
Que nada tem de marrom

Quero deixar bem registrado
Que o interesse da cadela
Não é na missa, é só no padre
O homem que cuidou dela
E se é da igreja que ele gosta
Isso também é bom pra ela

Ah! É importante exaltar
Que o animal de que falo
Dentro da igreja não late
E a missa não sofre abalo
Tendo até gente que gosta
Mesmo na missa do galo

De modo que a cadela
Virou notícia nacional
O País inteiro hoje sabe
Que até mesmo um animal
Assiste à missa diária
Sem entender seu ritual

Não inventei este relato,
Basta você pesquisar
Lá na Folha de São Paulo
Que a notícia vai achar
Está tudo registrado
Não tem como se enganar

Assim, quando for pesquisar
Escreva Letícia e procure
Na internet tem de tudo
Não faça promessa nem jure
Vai encontrar sem problema
“Inda” que a ânsia perdure


Quando a notícia for ler
Não fique tão intrigado
Vá com calma e compreenda
Que está tudo dominado
A vida tem dessas coisas
Tem até cachorro veado

Tem, sim, não fique surpreso,
Vi isso na televisão
É estranho e surpreendente
Esse é mesmo um mundo cão
Tem homem virando mulher
E um monte de mulher machão!

Mas deixemos isso pra lá
Nada tem com o meu relato
Falo sobre a cadela Letícia
Uma cachorra, não um gato,
A quem é permitido assistir
Um religioso ato

Como o padre está debaixo
De maior autoridade
Era normal que contassem
Ao Arcebispo da cidade
Para que ele e seus pares
Comentassem a novidade

Os superiores do padre,
Quando o fato comentaram,
Até citaram São Francisco
E os dois casos compararam
Pois são ambos semelhantes
Por isso mesmo relevaram

Pelo meu entendimento
A arquidiocese deu aval
Para o padre rezar missa
Tendo ao lado o animal
Pois pelo que ela falou
Isso não faz qualquer mal

Nesse mérito eu não entro
Não sou cara intrometido
Apenas escrevo de leve
A respeito do ocorrido
Afinal, não é problema meu,
Não quero ser atrevido

Afinal de contas, é certo,
O santo dos passarinhos
São Francisco de Assis
Falava com os bichinhos
Chamava a lua de irmã
E o sol era seu irmãozinho

Então que ela fique por lá
Deitada no seu banquinho
Enquanto a missa é rezada
- Bem fechado o seu focinho –
À espera que o padre termine
E não saia da igreja sozinho

E assim a cadela Letícia
Que foi notícia e manchete
Vai continuar assistindo
Em sua pose de vedete
O ritual da santa missa
Toda orgulhosa e coquete

Eis um pequeno resumo
Desse sui-generis caso
Tão esquisito e confuso
Um fulminante arraso
Que faz cabelo arrepiar
E besta afogar-se no vaso

Era o que eu tinha a narrar
A respeito desse fato
Pois achei interessante
Mostro o pau depois que mato
Quem fala assim não é gago
É um baita macho no ato
Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 20/12/2007
Reeditado em 30/08/2008
Código do texto: T786017
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