O enterro de Zé Ninguém

Por Airam Ribeiro

Mais uma vez estou aqui

A falar do querido defunto.

Ele esta no salão, bem ali

Com os pés todos juntos

As mãos tá entrelaçadas

Entre tábuas apertadas

Que parece mais um presunto.

Pela camisa se vê que foi pobre

Pois a mesma está surrada

Nao foi um sujeito nobre

E a sua luta foi danada

Seu corpo bem franzino

Fome? desde menino!

Só comia o quase nada.

Pode ver, puxa saco não tem!

E nem cafezinho do lado.

Quem na vida foi Zé Ninguém

Na morte é quase desprezado

Se duvidar ele fica alí

Nao tem gente pra lhe acudi

Nem sabe se vai ser enterrado!

Prestação do dito funeral

Nunca pode o Zé pagar

Por isso já é bem natural

Algumas pessoas levar.

Algum bêbado seu colega

Pode até fazer a entrega

E o corpo dele enterrar.

Flores, dizeres epitáfio?

Pode ver, ninguém mandou!

Quando se é pobre né fácil

Achar um que é adulador.

Se fosse rico o coitado

Era tantos herdeiros do lado

Pra saber quanto herdou.

Como eu previ, lá vai o Zé

Três pessoas vão lhe levando

Não vi nem a sua mulher

Só três bêbados capengando.

Como o corpo estava leve

A chegada foi breve

E o coveiro foi preparando.

Sem discurso sem nada

Não acenderam uma vela

Pra alma ser iluminada,

Pois uma pobreza daquela

De alguém que vivia do lixão,

Acostumou-se com a escuridão

Na vivência de sua novela.

Um enterro sem choradeira

Com três bêbados cochichando

Fazendo até brincadeira

Do caixão que ia levando.

Com sorrisos e gargalhada

Eles seguiam e estrada

Onde ia enterrar o fulano.

E Zé Ninguém foi enterrado

Numa vala sem mistérios

Fundos de um terreno murado

No refugo do cemitério

Bem longe dos mausoléus

Onde fica os arranha céus

De requintes e critérios?

Airam Ribeiro

D.A. Lei 9.610/98

País Brasil