O enterro de Zé Ricaço

Airam Ribeiro

A morte não adula ninguém

Hoje ela levou o Zé Ricaço.

Ontem foi o Zé Ninguém

Que partiu sem embaraço.

Dona morte com seu catapum

Tá sempre querendo mais um

Pra lhe dar aquele abraço.

E Zé Ricaço tá sendo velado

Tem muita gente no salão

Bajulando o deitado.

Muitas flores no caixão

Com Formol pra durar mais

Pois tem as honras municipais

Protocolado desde então.

Água portável pra beber

Biscoito, café e até chá

Muita carne para comer

Pois mataram o boi mangangá

Whisky, vinho e cerveja

Até finalizar a peleja

Que tem hora pra acabar.

A viúva está do seu lado

Chorando que só uma desvalida

Com o rosto desfigurado

Pensando na causa perdida

Não ligou pro Zé Ricaço

Agora vê o embaraço

Ficando sozinha na vida.

Nas farras dos que bebiam

Muitas risadas dos amigos

Muitas piadas lá tinham

E muitos choros dos fingidos

Para aquele funeral

Veio até gente da capital

Aqueles desaparecidos!

Dia seguinte todos cansados

De estar na bebedeira

Enquanto o corpo deitado

Já queria ver sua carneira

Ficar longe do povaréu

E ir logo pro seu mausoléu

Onde ia ficar a morte inteira.

Mais ninguém para chegar

E com o formol já vencendo

Um cheiro malgrado no ar

E com alguns desaparecendo

Chega o carro da funerária

Levar a peça honorária

Pro cemitério renascendo.

Enquanto o corpo seguia

Seu espírito adiantou

E pro cemitério já ia

E com o Zé Ninguém encontrou

Nos papos: - tu trouxeste o quê?

- Nada, se queres saber

O que ganhei, lá ficou!

E enquanto o corpo descia

Na vala de sete palmos

Os dois no além diziam

Olhe como eles estão calmos

Nas heranças ta o pensamento

Ninguém leva nesse momento

É o que dizem os salmos!

Enquanto na terra ia o caixão

Um pergunta o outro no além

Qual teu nome neste chão

Eu fui um Zé Ninguém

Lhe digo sem embaraço

Prazer, eu fui Zé Ricaço

Vem aqui me dá um abraço, vem!

Agora somos duas caveiras

Que nem sexo a gente tem

A vida na terra é besteira

A gente vê daqui do além.

Enquanto a carne sai os pedaços

Sou o defunto Zé Ricaço

E tu o defunto Zé Ninguém.

Airam Ribeiro

D. A. Lei 9.610/98

País Brasil