LAMENTO DE UM CAIPIRA

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Hoje estou velho, cansado!

Tão só neste apartamento,

Curtindo este meu lamento

Lembrando os tempos vividos.

Era feliz lá na roça,

Casinha de adobe, pequena

Eu, minha Madalena,

Quatro filhos sacudidos.

Mal o sol dava nos montes,

Todos estavam em pé,

Pão caseiro e um bom café

Nunca faltava na mesa.

A Patroa era prendada,

Irradiava alegria,

E era assim dia-a-dia,

Com amor, delicadeza.

Eu trabalhava na roça,

Sob chuva ou sol forte,

Era serviço de sorte

Mas não faltava o sustento...

E era muita a alegria

Quando a pequenina Rita

Vinha trazendo a marmita,

Para um instante de alento.

Lavava o rosto suado

Na bica de água pura...

E pra compensar vida dura,

Tirava profunda sesta.

Findo o dia, bem cansado

Voltava ao lar que consola,

Os filhos vinham da escola

Felizes, cantando em festa.

Para o banho havia fila...

Água de serpentina,

Os pequeninos na tina,

Todos cheirosos, com vida...

Depois em torno da mesa,

Hora de agradecimento

Pela saúde, o sustento,

E a família sempre unida.

E foi assim muito tempo,

Até que o meu filho Ernesto,

Trabalhador, que era honesto,

Partiu para a capital!

Depois, passado um bom tempo,

Mal eu chegava da roça,

Vi ao lado da palhoça

Um carrão monumental.

Quando firmei bem a vista,

Vi que era Ernesto, meu filho

O sapato era só brilho,

Todo cheio de vaidades!

Que surpresa! Foi só festa...

Sorrisos, beijos, presentes,

Todos felizes, contentes,

Até matar as saudades.

E depois de muita prosa,

Ernesto olhou pra gente

E com um ar de contente

Disse: acabou a pobreza!

Vamos todos pra cidade,

Conhecer minha morada,

Não precisam levar nada...

Vocês vão ver que beleza!

Ingênuos e iludidos,

Largamos tudo e seguimos,

Contentes que nem meninos

Pra conhecer o progresso.

Fomos morar num prédio,

Em cobertura elegante,

Numa altura estonteante,

Pra nunca mais ter regresso.

A vida tomou outro rumo,

Mudou da água pro vinho,

Cada qual foi num caminho

Desta vida exaltada.

A mulher quis ficar bela,

Pôs botox, silicone,

Não largava o telefone,

Só gastava e se enfeitava...

Filhos, quase não os via...

Nem “benção” pediram mais,

E pra aumentar os meus ais,

Tinham vergonha de mim.

Ernesto, sempre ocupado,

Mulher: só lojas, boutiques,

Filhos cheios de trambiques,

E eu num tédio sem fim.

E pra encurtar esta história

Digo logo o que ocorreu:

Ernesto se escafedeu,

Fugindo da Federal.

A mulher, pobre coitada!

Tanta vaidade, ó o que deu:

Quis fazer lipo, morreu

Por infecção fatal.

Os filhos desnorteados,

Se envolveram com besteira

Na vida perderam a eira,

E já não pensam direito.

E o que me resta agora

É fazer verso e poesia

Pra aliviar a agonia.

Pois, a paz não tem mais jeito.

Mas não perdi a esperança,

Ainda tenho um tesouro,

Filhinha que vale ouro,

A caçulinha Cristina.

Assumiu todo o serviço,

Cuida de mim, me encoraja,

Não se abate e se engaja

Em resolver esta sina.

Diz que amanhã é outro dia,

Pra não perder a esperança...

Afirma que vem bonança,

Ao final da tempestade.

É ela que me dá forças

Dizendo que Deus é Pai,

Que quem tem fé nunca cai,

Pra não perder a vontade.

E depois de tanta prova,

Hoje aprendi a lição:

Esta vida é uma ilusão,

Não vale a pena a vaidade...

E se tiver outra chance,

Não vou mais desperdiçar,

Quero ser bom, quero amar,

E conservar a humildade.

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Poesia registrada no CCB e CTPC

Tião Luz
Enviado por Tião Luz em 16/03/2008
Reeditado em 12/11/2012
Código do texto: T904015
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