PAPAI-NOEL ENTRE NARCISO E O CAOZINHO QUE MIAVA...

Eu e todos que estávamos ali precisávamos, sim, de novos tempos.

Após quase dois anos de Pandemia e com o seu parcial arrefecimento vacinal, já em plena época do Advento, as pessoas aos poucos começam a sair para desfrutarem da decoração natalina, principalmente a dos grandes e tradicionais "Shoppings Centers", o que já é bem cultural das grandes cidades.

E por Sampa o espetáculo começou mais cedo pontuando um certo "desespero sociológico" na retomada da vida normal, não apenas na social mas principalmente na financeira. Os lojistas estão animados.

Mas como os tempos mudaram...em tudo. Percebem?

A gente, por aqui, tem a impressão que foi dormir num mundo e acordou noutro surreal.

Eu sinto como se uma porteira aos sonhos tivesse sido aberta de repente e que as pessoas, sedentas de tudo e incrivelmente deficitárias da Educação, avançassem campo afora a procura de si mesmas...sem olhar do lado.

Ali, o espaço era disputado "corpo a corpo"...como se fosse guerra.

O motivo?

Um belo cenário de Natal, com um Papai Noel gigante e uma plaquinha, hoje extremamente inconveniente e perigosa, que sugeria: "tire aqui a sua foto".

O pobre do segurança, que parecia conturbado, a solicitar socorro aos pais totalmente alheios ao comportamento dos pequenos, não dava conta de segurar o ímpeto das crianças que mexiam em tudo, a arrancar narizes, olhos e orelhas dos personagens ao seu alcance, também na ânsia de tirar, não a "selfie " fotografia que alucina e "empodera" os adultos, mas uma sortuda cartinha ao Papai Noel, logo ali, bem ao alcance das mãos nos correios da decoração.

Vez ou outra , o segurança pedia aos adultos, nada diferente de suas crianças voluntariosas, para não destruírem os canteiros de begônias vermelhas no entorno da cena.

De repente, pensei em me registrar no cenário.

Por que não? Não dizem que somos eternas crianças? Eu adoro o Natal...

Decidi só por uma foto para relembrar a saída dos tempos mais difíceis e sem perceber, de pronto, que lá estava eu, num fim de mundo vindo do "outro mundo", o que francamente se delineava por ali. Impressionante aquilo tudo...

Vou contar.

Educadamente esperei por uma mulher, uma senhora toda "chiquetosa", que ali fazia uma "selfie" com seu belo cãozinho, ele , que logo me pareceu meio impaciente e choroso, mas eu ainda não sabia por que.

Logo eu soube. Era fácil descobrir!

A mulher estava numa franca compulsão de registro de si e do seu bibelozinho.

O cãozinho miava de cansaço, queria se livrar daquilo...contei vinte fotos dela em alguns minutos- mas o acontecido não pararia por ali.

Dominando todo o cenário, sem dar trégua e chance aos demais da fila que crescia, fazia várias poses, "várias caras e bocas", vários ângulos, e "tira a máscara e põe a máscara"...até que venceu o meu intento.

Eu nitidamente abatida por uma Narcisa vencedora alheia ao mundo! E me solidarizei imensamente com seu cãozinho.

Desisti da foto, não entrei na fila e fui andar pelas vitrines...

Uma hora depois, eu já no andar de cima para , ao menos para uma foto panorâmica da cena natalina, ainda a avisto lá embaixo, a frente do meu "zoom", firme no seu propósito de desafiar o ultrapassado Narciso e não dar trégua ao novo mundo sem noção de espaço algum.

E o sofredor do cãozinho, miando cada vez mais alto... como se pedindo socorro, sem entender nada daquela impressionante cena que sequer Freud explicaria com Ciência psicanalítica.

Num determinado ponto ela olhou para cima, cruzamos nossos olhares e acredito que leu minha indignação cansada e curiosa.

Logo colocou seu cãozinho numa sacola, ajeitou a máscara e os cabelos desgrenhados , guardou seu celular cansado de guerra e saiu dali sem dar a mínima para o entorno...

Minha máquina fotográfica, enfim, estava livre!! Viva!!

Bati a panorâmica, desci correndo e, enfim, consegui um espaço para uma foto comigo nesse apocalipse que assusta até o vírus Sarscov2. Que não deve nem querer voltar por aqui...

E lá se foi ela, espero que para nunca mais a frente das minhas lentes fotográficas; e sem ao menos desconfiar que seriam, ela e seu pobre cãozinho, a inspiração simbólica para esta minha primeira crônica natalina, nesse novo mundo que destrona até o mito do velho Narcíso...que nem se reconhece mais no espelho dos velhos tempos.

E claro, nem Papai-Noel saberia entender o todo...e também deve se assustar com a nova listinha de presentes.

O que será que aconteceu com o antigo mundo, alguém aí saberia me contar?