Trilogia do nosso cotidiano medíocre

A Selva, O Zôo e O Circo

O sol desponta no horizonte, atravesso a selva de pedra, defronto-me com automóveis e mais automóveis, semáforos inoperantes, “canarinhos” escondidos atrás de postes tentando me bicar e anotar a placa, é o rodízio. Se corro o bicho pega, sou fotografado pelos “pardais”, esse é o começo do dia. Os motoboys atacam em bandos, tal qual nos filmes de índios contra o General Custer, índios gostam de espelhos, quando tenho sorte livro o retrovisor e chego a salvo no trabalho, é a vida na selva.

Trabalho para os leões, cuido das jaulas, dou alimentos, tento deixá-los confortáveis, mas eles rugem mesmo assim, não mato dois leões por dia como a maioria se vangloria de fazer, com sorte consigo domar os dois. Às vezes tomo patadas, e não raramente, escapo por pouco das garras e dos dentes afiados, me dou por satisfeito quando me livro de ser a caça. Abundam as cobras venenosas, elas não perdem oportunidade de dar o bote a qualquer momento, tenho que ter soro sempre à mão. Existem também os tigrões, mas esses são mais fáceis de serem controlados, são velhos conhecidos. As hienas sempre rindo das minhas desgraças, mas dou risada também, meu conforto é saber que elas comem merda. Os macacos são alegres, festeiros, tomo cuidado, eles também atiram merda, retribuo as macaquices com solenes bananas, é o zoológico da vida.

Tarefa cumprida, é hora de cruzar a selva novamente, os índios atacam, dessa vez me levam o espelho. Chego ao outro emprego, é o circo. O público não é grande, mas é exigente. Começo com um número de corda bamba, nisso sou muito bom, pois vivo nela, ninguém aplaude, nem mesmo quando me safo da queda sem rede de proteção. Todos preferem as mágicas, aquelas que fazem coisas aparecerem do nada, não sou bom nisso, tenho pouco na cartola, só em alguns dias por mês consigo exibir um número razoável e agradar o público, no resto do tempo pratico malabarismo. Triste é saber que alguns acham que eu sou apenas o palhaço... é o circo da vida.

Laerte Graneiro Russini – Maio/2008

Laerte Russini
Enviado por Laerte Russini em 28/05/2008
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