Tempos de Rio de Janeiro--Diário de uma Mulher

Tempos de Rio de Janeiro Diário de uma Mulher

Fazem quatro dias que cheguei ao Rio de Janeiro de mudança. Creio que não vou me adaptar, pois existe por aqui um outro jeito de "ser brasileiro"o que torna difícil me mover em meio aos cariocas. Lá pelas tantas não sei discernir o que é sério do que não é. As relações afetivas me parecem que se fazem de maneira superficial como se ambos os lados já se unissem para se separarem , também facilmente. O que ocorre é que não chega a se fazer um apego afetivo e, não se fazendo, trocar o parceiro fica fácil.Mas estas são só impressões de chegada e dou o desconto.

Que eu sofra uma certa regressão é normal, mas tenho um desagrado. Desagrado de alguém que se sente arrancado do seu pago, do seu rincão. Este sentimento de exigência, de ser obrigada a me adaptar em fração de minutos a uma nova realidade é impossível e me sinto intragável.

Resolvo então me conformar, pois que sou de riocomprido e, ao invés de tentar me "abrilhantar", vou viver com minhas raízes e rimas à beira mar.

Mudar para outra cidade e não saber se vai poder ficar, é chato. Ao cabo e ao final estou nesta situação, e a quantidade de irritação que isto causa pode destruir minha capacidade de criatividade que se faz necessária para a adaptação em outro local, o que é muito importante.

Acostumei me a ser independente, acostumei me a conviver com a solidão, a criar dentro dela, e a súbita mudança de cidade bombardeou a minha vida pessoal,com suas manias e idiossincrasias, fazendo tremer meus alicerces. Cheguei ao Rio anestesiada. Tenho a impressão que, para poder vir, fiz um esforço tão grande que congelei todos os meus sentimentos. Começam a descongelar e saio de uma espécie de torpor para me sentir invadida pela dor do mundo ou dor do Rio...Entenda se que a dor é de ,talvez,ter de retornar aos pampas.Que maçante ter de disfarçar todos estes sentimentos das outras pessoas, logo eu sempre ruim na arte de esconder. Que pessoa singela que eu ainda sou!

Falando de emoções ,nos primeiros tempos,tenho medo de tudo aqui no Rio: medo do pessoal do hotel, medo de pessoas que eu suponho mal encaradas pelas ruas, medo de assaltos, medo de gostar e ser obrigada a voltar e este é o pior! Quando sinto este medão logo o que me ocorre é fugir.

Mas após percebo que começo a ter ganhos: o fascínio do mar me alegra, a variedade de pessoas, de tipos diferentes me faz sorrir, a alegria do povão com o carnaval, o futebol e a cerveja me consolam, divertem, e o amor mexe comigo, remexe.Acho mesmo que o amor no Rio e pelo Rio vêm através do ar,da maresia,da beleza,a maravilha, e nos penetra profundamente, e isto é o que me faz sofrer calada ,pela incerteza de um futuro aqui. Gostar e não poder ficar por desemprêgo.

Às vezes tenho a impressão que me meti em uma irresponsável aventura, coisa que me desagrada.. Tem que se ter coragem para se fazer e falar certas coisas, já me dizia,em “priscas” eras, um velho amigo. Afinal, a vida toda se resume em um se aventurar com responsabilidades e compromissos. Haja paciência!

Nem sei se estas futilidades todas que escrevo hoje, quando chove no Rio , quando estou amolada ,vão me servir de alguma coisa para o futuro. Escrevo sem pretensão, escrevo para derramar e elaborar todas estas emoções da súbita mudança que tomou a minha vida. Vim para passar uns tempos no Rio. Claro! Foi mesmo! O “mas”, é que tudo que é incerto e inseguro faz o bicho homem se sentir mal.

Vira e mexe lembro do Mário Vargas Llosa falando na televisão que as pessoas, hoje em dia, sequer sabem do que gostam!? Que grande verdade!Deixam se levar pela mídia. Fico me perguntando do que gosto e chego a sentir medo das minhas respostas. Tenho uma delas entretanto: - Gosto do Rio de Janeiro!

Dia difícil !Dia de saudades, ausências, chateação, de tempo ruim e de duvidas, incertezas, e medos. Dia de desgelo de meus afetos ou melhor, de começo de degelo. São meus sentimentos verdadeiros que iniciam a me invadir e a me tirar do torpor e do baque em que me encontro desde que cheguei.

Esquecer o Brasil, esquecer os sérios problemas brasileiros, esquecer os meus sérissimos problemas. Viver irresponsavelmente? Pois é, porque não?E daí?

Resolvo me deixar impregnar pelo aroma do Rio ,e o mar, a magia, se infiltram dentro de mim. Faço a segunda única coisa que sei gostar porque me deixa serena, escrever. Escrever e sonhar e fantasiar minha vida toda aqui.

O mar,a praia,operam milagres e me curam. Os cariocas aos poucos se aproximam pedem algum favor, sorriem, são curiosos. O que mais me chama a atenção é o clima que ronda o Rio, de decepção, de depressão das pessoas em função do sério estado em que estão a política e a economia brasileiras. Um Diploma não vale mais nada. A gente acaba sentindo inveja do trabalhador braçal brasileiro. Parece até que foram mais sábios em não estudar. Quem estuda aqui no Brasil já deveria ter ou tem em mente ir para o exterior. Não existe nada pior do que jogar as esperanças em um curso Superior, fazer uma carreira e depois o nada,o vazio,o desemprêgo. Diz minha arrumadeira que hoje em dia se vive de esperança. Sábia sabedoria popular. Só que mesmo a esperança morre e lá pelas tantas se tem que tomar alguma atitude. Qual? Escrever?

Bimba! Os cariocas se aproximam cada vez mais. Convivo com eles, conheço suas vidas, seus casos típicos. Contam me suas pequenas histórias num pequeno bar estilo garagem em Copabacana .Começo a escrever o que vejo e ouço,os "causos" deles, e tudo fica fácil. Divido meus dias entre a praia e os almoços com caipirinha em Copabacana, rodeada de conversas que absorvo sôfrega e rapidamente as quais, ao entardecer, vão parar em meu diário. Minha criatividade volta, o período de adaptação passa e começo a me sentir viva através de meus escritos no Rio. Acabo me chamando de covarde porque tenho de voltar para o meu estado por motivos econômicos e fico insana.Ah,que merda!E digo todos os meus palavrões porque,afinal,nem sempre fazer poesia resolve,às vezes umas boas palavras de baixo calão também ajudam a aliviar a frustração.

Suzana da Cunha Heemann
Enviado por Suzana da Cunha Heemann em 29/05/2008
Reeditado em 16/01/2011
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