Ironias da Vida de um Escritor

Ironias da Vida de um Escritor

Gosto da intimidade do meu quarto na praia .É uma peça suave, simples .Tem um grande janelão aberto para o mar. Enfrente está a calçada que rodeia a praia onde os turistas passeiam, caminham e fazem ginástica ou correm . Além da vista para o mar me divirto com os transeuntes. A quebrar a serenidade deste quarto tenho a velha boneca de olhos estatelados quase embaçados, que me olha sempre espantada com um misto de incredulidade e curiosidade .Resolvo lhe dar vida e falo:

- Porque ,Emily, ficas aí deitada me olhando com um jeito de quem não acredita no que vês? Chegas a te tornar incômoda , a ponto de todos os anos me acionares um ímpeto de te jogar janela abaixo. Logo tu que devias ser uma doce recordação da minha meninice. Tenho a impressão que não te agradaram os rumos que a vida tomou . Ficas aí pasmada , como a pensar que as coisas não deviam ter transcorrido desta forma .Pareces assustada ao te ver sempre comigo sozinha . Queres , decerto ,que a idade adulta seja um seguimento do paraíso da infância. Não me olha assim com esta expressão porque me fazes recordar o passado e pretendo esquecer. Vou começar hoje.

Viro a boneca de costas como se isto, magicamente ,possa evitar dolorosas recordações . Através desta magia com a boneca de pano afasto tudo que me é desagradável. O velho truque funciona . Age por alguns instantes , enquanto desconsolada, me recosto na janela. Uma turma de gente risonha e alegre passa Todos impecavelmente vestidos como ginastas. É apropriado para o entardecer na calçada. Conheço os de vista . Tenho inveja? Não ,e chego a conclusão que não quero ser como eles ,embora tenham uma maneira saudável de encarar a vida. Se a mesa é farta , se o dinheiro forra os bolsos, se todos possuem automóveis último tipo e roupas da moda, estão de bem com a vida. .Nunca se questionam , não lêem livros mais sérios pois contém palavras difíceis o que significa ir para o dicionário e complicar tudo . Tira o prazer. Não querem saber de política ou história. Preocupa os mais o problema do carro do fulano com o carburador entupido ,isto sim, os incomoda. Os segredos da mecânica.

Amam se assim . São felizes e realizados .É aceito no grupo como amigo aquele que partilha o gosto por tudo aquilo que é fútil na vida, é simplório.Acabo rindo Não é uma questão de inteligência mas de “savoir vivre”. È um saber viver irresponsável e com certo egoísmo. Um deles fala alto :

- Como é Lola , vais fazer aqueles camarões hoje para todos nós?

Resolvo aceitar a sugestão e para curar minha insatisfação como também, e fico ainda mais incomodada. .Em meu caderno preto vejo uma página em branco,ou seja , um dia chato e sem novidades .Resolvo preencher . A boneca me olha indagando recobra a vida e pergunta:

“ - O que vai ser hoje? O que vais inventar para não viver , para não passear pela praia ou fazer exercícios como todas as pessoas normais estão fazendo ? Vais novamente pegar a caneta e encher o caderno de baboseiras que não vão te dar nada, não vão te dar sequer um tostão furado!”

Chego a temer que Emily me aponte o dedo e afundo no diário,pondo me a escrever sobre a solidão do escritor que,ironicamente,se faz necessária para que ele crie e produza.

Suzana Heemann

Suzana da Cunha Heemann
Enviado por Suzana da Cunha Heemann em 31/05/2008
Reeditado em 28/06/2008
Código do texto: T1012925
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