Tempos de Desadaptação

Tempos de Desadaptação

Conversava com minha boneca de pano,quando estava só e não a escrever:

- Recordaste , Emily? Vamos abrir esta gaveta e ver o que nela encontramos ? Olha! Este velho tênis rasgado, sujo, que me é tão querido ,e que usava para deixar meus cachorrinhos morderem na época em que resolvi abrir um canil.

Estes disquetes velhos são do tempo em que quis ser Analista de Sistemas, movida pelo filme "A Rede", onde a mulher é roubada e perde a verdadeira identidade em todo o mundo ,não existia. Bem pensado, hein, Emily? Foi exatamente o que se passou comigo,naquela época em que não sabia o que fazer como profissão ou simplesmente fazer algo para me ocupar e fugir do ócio. .

E estes livros todos, estes escritos, pertencem á época em que fui ser política...Vamos dar gargalhadas novamente? Vamos lembrar?

- Lembras quando decidi ser somente Cachorreira e fundei o Clube dos Cachorreiros Brasileiros? Eu andava em um jipe de vidro pela cidade, cheia de cachorros atrás. Havia o De Gaulle (um shi tziu),a Floca (uma maltês),a Jasmim(uma chow-chow) e mais os três filhos mixtos da Floquinha e do Degaulle chamados de Sartre, Deneuve e Beauvoir. Naquela época, revendo,acredito que eu estivesse desadaptada pelo impacto do trauma que sofri, e tentando me readaptar, me socializar, de formas que utilizei os cachorros para isto.E seus nomes dizem tudo para os intelectuais. Só que os usei de forma inconsciente para tentar me inserir novamente na sociedade ,me relacionar e aceitar as pessoas.

Cedo porem, reparei que este não era o caminho e decidi estudar política, Ciências Políticas, preocupada que sempre fui com os sérios problemas brasileiros. Foi um outro caminho, mais adulto.Larguei os cachorrinhos e me inseri em meio às pessoas. Esqueci, entretanto, que eu uma amante da verdade, que detesto a hipocrisia e a mentira, jamais poderia ser política pois que eles usam de tais artimanhas artisticamente às quais sou avessa , além de ser transparente, quero dizer que quando minto mostro na cara a mentira, que quando tento ser hipócrita, desajeito, e que sou péssima artista quando se refere à arte de esconder a verdade. Esquecida disto, fui para reuniões no Partido Político que escolhi para aprender e me familizar.. Desnecessário é dizer que não acreditava no que via quando um dos políticos me” mentia na cara e com a cara mais deslavada do mundo”. Ele sabia e sabia mais, sabia que eu sabia que estava mentindo e não fazia mal, não parava, continuava, só faltava piscar o olho.

- Recordas, Emily, quando chegava em casa revoltada? Ia para o espelho e treinava ser política ?Acabávamos às gargalhadas, nós as duas. E, finalmente eu, que mais bem intencionada não podia ser, desisti da carreira ao perceber que buscava outra coisa, buscava superar meu trauma e me ressocializar. E consegui, pois fui obrigada a interagir com as pessoas. Não vou dizer que aprendi a mentir e a usar a hipocrisia como uma arte, mas melhorei em disfarçar. Afinal, eu também estava sendo hipócrita comigo pois que não queria a política verdadeiramente, porém buscava através dela, a minha cura.

Saí enriquecida destes três períodos. Aprendi a acarinhar novamente com os cachorros, e a gostar deles,de seres vivos. Aprendi a ser mais malandra com os políticos, e finalmente aprendi informática o suficiente para me facilitar a vida.

- Para de te rir aí Emily ! Pois embora tenhas razão que de todas as fases, a mais gozada foi a da Política, fostes a maior incentivadora da minha breve carreira...

E sabes de nosso final hilário dentro destas artes,sabes o que ficou...

Gaveta

Na hora da nostalgia,

resta do passado uma gaveta,

ou caixa de recordações,

guardando fotos envelhecidas,

a flor seca do primeiro amor,

o primeiro título político,

e o rosário da primeira comunhão em meio ao diário ,

bloco de escritos,

com páginas em branco repletas de emoções proibidas...

Suzana Heemann

Suzana da Cunha Heemann
Enviado por Suzana da Cunha Heemann em 01/06/2008
Reeditado em 28/06/2008
Código do texto: T1014612
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