CRISE DE CONSCIÊNCIA

Nessa vida todo mundo tem um tipo diferente de tara. É normal. É natural. Chega a ser saudável. E é assim desde que o mundo se conhece por mundo. Desde o tempo em que se amarrava cachorro com linguiça. Desde quando o Durval ainda sonhava em namorar com a Ritinha e o tio Ernesto ainda era um garotinho traquinas.

E tem tara para todos os gostos. O Alberto, por exemplo, só de ver uma moça descalçando os sapatos, ficava louco, parecia um cachorro quando sente o cheiro de uma cadela no cio. Já o Henrique, não resistia a uma mulher de vestido vermelho e o ponto fraco do André eram os cotovelos femininos. Bastava uma moçoila arregaçar levemente as mangas da camisa, que o rapaz precisava sair correndo para o banheiro.

Mas o caso do Evandro era diferente. Evandro tinha tara por mulheres casadas. Ele não podia ver uma aliança na mão esquerda de uma mulher, que já começava a preparar suas melhores cantadas. Galanteador que era, invariavelmente levava uma delas para cama.

O problema era que quando tudo parecia dar certo, o coitado tinha crises de consciência, começava a pensar no infeliz do marido chifrudo e não conseguia finalizar os trabalhos. A emoção diminuia e só restava a ele assistir as despedidas decepcionadas de todas as suas conquistas.

Essa tara já estava virando um trauma na vida de Evandro quando depois de mais uma triste noite de amor, ele caminhava lentamente pelo submundo paulistano e uma luz iluminou o seu caminho. O que parecia ser o farol de um caminhão vindo em sua direção era na verdade o surgimento de uma grande idéia.

Evandro então tratou de se animar e, sem nem mesmo tomar um banho, entrou no bar mais próximo. Tomou um trago enquanto observava todas as mulheres do local até se deparar com uma reluzente aliança. Aquele brilho mexeu com os seus sentidos e o rapaz não resistiu. Usou sua melhor cantada e não demorou muito para convencer a moça a sair dali.

Já na cama, quando começou a pensar em pensar no coitado do marido chifrudo, Evandro arrumou um jeito de dar um basta naquilo.

- Pára tudo!

- O que?

- Pára tudo, ué. Não entendeu? Falei grego?

- Mas logo agora? O que aconteceu?

- Tira a aliança.

- Que?

- Isso mesmo, tira essa aliança…

- Mas…

- Não tem mais nem menos…tira a aliança, eu não consigo me concentrar com esse brilho no meu olho…

Consumida por um tesão indescritível a moça acabou a discussão ali mesmo e tratou de tirar, o mais rápido possível, aquela pequena argola de ouro do seu dedo para poder continuar com aquela safadeza.

Com isso, Evandro finalmente conseguiu manter a cabeça erguida e mandar para longe aquela crise de consciência que já ameaçava aparecer para atrapalhar mais uma de suas noites de amor.

E teria sido mesmo uma noite perfeita, não fosse o fato de, entre mordidas, tapinhas e gemidos, Evandro ter tido a infeliz idéia de abrir os olhos para gravar aquele momento histórico. Porque ao olhar para a mão esquerda da mulher, não viu nem sinal daquele brilho reluzente que o tinha enfeitiçado ainda no bar. O tesão sumiu instantaneamente e Evandro brochou na hora. Antes tivesse ficado com o prazeroso peso na consciência de sempre.