Há certas coisas que acontecem que a gente tem que registrar, anotar, escrever em algum lugar, sob pena de cairem no esquecimento ou, muito pior, irem se transformando ao longo do tempo. E depois de alguns anos, muito pouco do que se comenta é o que realmente aconteceu. E estamos falando aqui de fatos extraordinários, pitorescos, nada de ficar guardando coisinhas cotidianas, porque assim também não dá...
Mas vamos lá. Era uma vez, na pior cidade do melhor Estado da Federação, um jovem, ok um senhor poeta. Um homem interessante, inteligente e que fora agraciado pelos deuses com o dom das letras. E como ele sabia usufruir desse dom! De sua caneta, pois nessa época mal se falava em computador, pois de sua caneta em um cadernão que normalmente ficava sobre a geladeira, nasciam versos, nasciam prosas, nasciam meditações, nasciam paixões.
E pobre homem, não tinha muita habilidade na escolha dessas paixões! Alguém tem?! A gente não sai amando, muitas vezes quem nada tem a ver conosco? Pois...
Mas aconteceu. Ele veio a cair de amores por uma certa senhorita, nem tão senhorita assim, mas vá lá. E o que sofreu o pobre cadernão de cima da geladeira! Era poesia de manhã, de tarde, de noite, pois até no trabalho o poeta poetava e chegando em casa... pobre caderno.
Mas é o tal negócio, a moçoila não só não correspondeu aos apelos amorosos do nosso poeta, como pior, detestava poesia. Achava uma bobagem esse negócio de ler, aliás pelo seu vocabulário, ela nem precisava dizer... “O que, perder tempo lendo versinho? Perco meu tempo é no shopping!” Assim era.
Só que o pobre poeta tanto insistiu, tanto mandou bilhetes recheados com poesias (que falta lhe faria um e-mail naquela época...), tanto ligou com aquela voz melosa, que um dia a mocinha resolveu ceder. Marcaram um jantar!! Ohhhhhh....
Naquele dia, o pobre poeta nem trabalhou direito. Olhava a cada instante o relógio, escreveu mil coisas em qualquer papel que viu e correu para casa, feito um noivo aflito... Ficou horas no banho, caprichou no perfume (sem exageros, pois era um homem de bom gosto), alisou e alisou aquele bigode (hum?), escolheu sua melhor roupa, seu sapato mais lustroso, um gelzinho básico nos cabelos e lá foi ele... Opa, de tão ansioso, esquecera os presentes! Esse jantar tinha até presentes... Então correu no quarto, pegou a garrafa de vinho bom que já impressionava pela embalagem, pegou o livro, desses de auto-ajuda (quem sabe ela se interessasse...) e foi-se, o nosso pobre, romântico e esperançoso poeta.
O restaurante, a mesa, tudo escolhido a dedo e eis que chega a rainha! A mulher mais bela, mais culta, mais especial, aquela para quem a terra inteira deveria cair aos pés, de joelhos, em adoração (gente, o amor faz coisa...!). O coração do nosso poeta parecia derrubá-lo. Conversaram alguma coisa e foram pedir o jantar. Ela adorou o vinho, mas já o avisou que não o levaria a sua casa para tomarem juntos (pobre poeta...). Adorou (ela não gostava, adorava) o livro (claro, já era previsto) e aí acontece o drama...
Enquanto ele embasbacado, quase caía de joelhos em adoração, ela se preocupava com o cardápio. Com uma velocidade de 737, segurou o seu, e foi olhando item por item... Então, ó suprema gafe para o mundo, suprema dor para ele, que olhou para aqueles olhos negros feito pedras preciosas e disse: “Você é tão afoita que não viu minha melhor poesia que tive o cuidado de pôr dentro do cardápio, cair no chão”. Ela soltou uma gargalhada, meio estando sem graça, meio gargalhando mesmo. Ele juntou o poema, dobrou e lhe entregou... Ela sem nem abrir, jogou na bolsa...
Reza a lenda que não leu até hoje!!!