UM CONVITE ESPECIAL

Em meados do século passado, quando estava em plena juventude, eu tinha uma amiga cujo pai era comandante de um Batalhão na Vila Militar e dispunha de uma casa, para onde a família ia, nos fins de semana, porque a minha amiga estudava na zona sul do Rio de Janeiro. Em uma das vezes que ela foi passar esses dias com o pai, eu a acompanhei. Conheci um simpático tenente da cavalaria do Regimento Andrade Neves. Não era só cavaleiro, era também cavalheiro. No sábado fomos ao cinema ver aqueles filmes seriados de cowboy. Voltamos a pé para casa e ele nos acompanhou. Soube, nas conversas que trocamos na volta do cinema, que eu gostava de montar e praticava equitação numa fazenda que meu tio possuía, perto da Escola Rural. Não era propriamente uma fazenda; era uma área que pretendiam lotear e urbanizar. Havia nesse lugar uma casa de três quartos, com dois cavalos e uma mula. Meus primos sempre ficavam com os pangarés e eu, com a mula, que trotava vagarosamente, mal acompanhando os cavalos. Esta era toda a equitação da qual eu me gabava. Mas, quando se é jovem, contam-se vantagens que depois não conseguimos torná-las reais. No domingo pela manhã, depois do cinema e do papo sobre cavalos, eis que um tanque de guerra para em frente à porta da casa, onde eu estava hospedada. Um soldado abre a escotilha e sai com um papel na mão. Era um bilhete do meu cavaleiro andante me convidando para uma manhã de equitação. Empolguei-me toda pensando que encontraria lindos cavalos que agiriam como os da "fazenda". Nunca ouvi ninguém contar que tinha recebido convite de um ordenança motorizado de tanque de guerra. Eu era a primeira. Procurei uma calça comprida que estivesse de acordo com o evento e fui toda saltitante para o encontro com o tenente e seus cavalos. Ele, gentilmente, ajudou-me a montar e, de mãos dadas, fomos caminhando por uma trilha, fora da pista de treinamento. A manhã estava linda, o convite exótico me encantara, o corcel negro tinha o pelo lustroso e a crina bem aparada; era alto e garboso, igual ao meu companheiro. Andamos pelas redondezas por cerca de uma hora e, como o sol esquentara, resolvemos voltar ao local de origem. Acontece que a minha montaria era treinada pelo ordenança do tenente e os cavalos trabalhavam juntos na pista de obstáculos. Quando chegamos ao local, o galanteador militar disparou em direção a um deles e saltou; meu cavalo o seguiu. Fui apanhada completamente desprevenida e, sem querer, soltei as rédeas e meus pés saíram dos estribos. Saltava em cima do cavalo como um saco de batatas e, apavorada, senti que ele faria a mesma coisa que o outro: saltaria o obstáculo. Imaginei o tombo do alto do "black stallion"; no mínimo eu quebraria um braço, se não fossem os dois e as pernas e a bacia. Meu amigo nem percebeu o que se passava às suas costas e não se deu conta do seu gesto. A minha sorte é que dois colegas seus haviam chegado à pista nessa hora e perceberam a "tragédia" que se avizinhava. Correram em minha direção, um de cada lado, e impediram o ímpeto do meu cavalo. Foi muita sorte ter saído intacta dessa experiência. Desisti, nesse dia, de namorar tenente da cavalaria. A infantaria me ofereceria muito menos perigo. Nunca mais vi o tenente nem seu cavalo. Acho que nunca mais voltei à Vila Militar. Perdi de vista a minha amiga e seus pais. Mas a lembrança de ter recebido um bilhete amoroso, que veio até mim num tanque de guerra, nunca mais vou esquecer. Obrigada, Luciano.

Gilda Porto
Enviado por Gilda Porto em 09/06/2008
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