Padarias e mediação cultural

Eu tenho uma história afetiva com Padarias, um pouco por conta da minha relação com a Panilar, a padaria do meu Tio Roberto Neri. Era um lugar para uma menina de menos de dez anos passear, chupar picolé e tomar Mate Couro. Era um lugar muito agradável para mim, especialmente porque eu podia ver o que acontecia

lá dentro da padaria, ver os pães saírem do forno, ver os confeiteiros

usarem seus instrumentos mágicos e tudo o mais que uma padaria tem de interessante aos olhos de uma criança.

É com muita satisfação, portanto, que entro em padarias, esse ambiente que é, para mim, mais do que um espaço de comércio de pães. As padarias me reportam, quase sempre, a um lugar de minha infância, um lugar de cheiros, gostos e coisas bonitas de se ver e comer. Foi na Panilar que eu troquei meus bicos (bico mesmo, daquelas que as crianças usam quando pequenas e que as mães costumam colocar-lhes na boca tão logo choram!), pois é, eu troquei minha coleção de bicos por sete picolés da Panilar, sendo um para cada dia da semana. Dessa forma, eu ganharia o direito de poder ir à Panilar durante uma semana inteirinha. Foi assim que se deu o meu rompimento com esse objeto transicional, que é a chupeta, pelo prazer de ir à Padaria do meu tio. Talvez tenha sido uma forma inicial de ingresso do mundo das sociabilidades.

Pois bem, conto-lhes essas coisas para dizer de meu prazer em ver o

que tem produzido a Padaria Santos. Sob coordenação de uma talentosa administradora, a Maria Florêncio, a Padaria Santos transformou-se, na paisagem da cidade, por ser um lugar de promoção cultural, em lugar bonito de se ver e de ficar. Tem ambiente para ler jornal, tem promoções culturais em datas comemorativas e tem, sobretudo, uma equipe de trabalho. Essa equipe transformou

a Padaria Santos em espaço de mediação de cultura, em ambiente de

formação, de planejamento racional e de encontro com uma variedade de ofertas. É visível naquela padaria que as lógicas de compra e venda são acompanhadas de rendas, bordados, artesanato, fotografias...

Para mim, a Padaria Santos optou não só pela administração de

processos, mas também pelo cuidado com a pessoa humana e sua formaçãocultural. Um comércio, mas com a preocupação do cuidado veiculado pelo pão e pelas mãos das inúmeras mulheres que lá trabalham. Um ambiente eminentemente feminino, bordado de cores, sorrisos e espírito de equipe.

Os pães, aliás, são muito valorizados por algumas famílias da cidade. Há algum tempo, estava eu indo ao Rio de Janeiro fazer minhas pesquisas de ônibus leito noturno. No mesmo ônibus e ao meu lado iria viajar uma amiga, a Maria das Graças. Ela levava uma bagagem no mínimo curiosa: um grande saco de pães da padaria Jacques. Ela me explicou que suas filhas ficavam de lá “sonhando” com o dia da chegada dos pães da Jacques. Ela levava em sua bagagem um pedaço da cidade para as suas meninas! As meninas esperavam, então, pela oportunidade de comer o pão de Pedro Leopoldo, revivendo, através dele, a experiência de estar na sua cidade.

Os pães, então, podem nos levar a reencontrar sinais da cultura de que somos herdeiros, alimentando, em nós, o que há de simbólico na nossa relação com a cidade e com o passado.

As padarias.... são, então, lugares mais complexos do que podem parecer à primeira vista. São ambientes de mediação da cultura alimentar e de tradições culinárias que costumam marcar as sociedades e as pessoas profundamente. Quem nunca se emocionou ao sentir um sabor associado à sua infância, como, por exemplo, o de erva doce cuidadosamente salpicada no pão?

Publicado originalmente no Jornal Aqui, Pedro Leopoldo, em 10/10/2005.

Júnia Sales
Enviado por Júnia Sales em 14/06/2008
Código do texto: T1034334
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