HUMANIZAÇÃO DO PARTO

Resumo, em algumas linhas, as angústias de um conhecido meu por ocasião do parto de seu primeiro filho: ele gostaria de estar com sua companheira no momento do nascimento do bebê, segurando-lhe a mão e dando-lhe assistência. Ele gostaria de ver seu filho recém-nascido no momento de chegada ao mundo, gostaria de filmar esse momento. O parto estava com hora e dias marcados, privilégio exclusivo de cesarianas. Mas o médico havia sido rigoroso: nada de pai em sala de parto, nada de segurar o bebê, nada de bebê no colo da mãe, nada de filmadoras, nada de proximidades nesse momento “tão grave”. Esse relato, eu o ouvi numa curta viagem de táxi entre um lugarejo e outro, tempo suficiente para compreender a apreensão de um futuro pai que se sentia impedido de usufruir o direito de compartilhar a chegada do filho ao mundo.

Essa prática clínica – aquela que apartou o pai, subjugou o papel da mãe e colocou na centralidade do parto a ação médico-cirúrgica – tem história. Ela é afiliada da medicina de tradição francesa e alemã, elaborada em finais do século XIX, descrita num momento de busca de todos os benefícios da assepsia, do controle de infecções e da eficácia no combate à mortalidade infantil e materna. Ela adveio do esforço médico de redução de riscos, o que, de fato, teria ocorrido entre fins do século XIX e primeiras décadas do século XX.

Mas, levada ao extremo, essa prática médica desumanizou o parto, reduziu-o a um ato cirúrgico, revelado, por exemplo, pelas elevadas estatísticas de cesariana no município de Pedro Leopoldo (vide Diagnóstico social da infância e adolescência no Município de Pedro Leopoldo). A opção, é sabido, é especialmente reforçada por escolha voluntária de muitas parturientes que, ao pretender livrar-se da incômoda dor de parto, entregam ao médico a inteira responsabilidade de fazer nascer-lhes os filhos de modo asséptico, seguro e, se possível, sem esforço. Além disso, a opção também é realçada pela facilidade e comodidade profissional da cesariana, a única que pode ter hora, data e local marcados para acontecer. No mais, a função do médico fica mais realçada no parto por cesariana, diferentemente do parto comumente chamado de normal.

Curiosamente, esse relato de meu conhecido, eu o ouvi logo quando eu acabava de chegar de uma visita a uma ONG de Belo Horizonte que divulga e pratica o parto humanizado. Na oportunidade, pude ouvir médicos que criticavam o apartamento da figura paterna do momento do nascimento do bebê e diziam da importância do preparo físico e emocional da mãe para realização de um parto feliz. Não faltaram recomendações sobre controle da respiração, ginástica para gestante e sobre a função equilibradora do pai no acompanhamento do nascimento do filho. Eles falaram, essencialmente, das responsabilidades de todos/as na preparação e realização de um bom parto, seja ele natural ou não.

Não estou aqui a dizer que de hoje em diante todas as parturientes devem fazer opção exclusiva pelo parto natural. Cada caso é um caso, a cada circunstância uma solução possível. Estou dizendo que às famílias também cabem escolhas no universo circunstancial em que estão. Mas, que, para isso, é preciso informar-se, instruir-se e fazer escolhas conscientes, partilhadas com os profissionais que a assistirão no parto e no período de gestação.

Estou a dizer que precisamos entender melhor que opções médicas estão sendo feitas e em que medida essa medicina/essas práticas de assistência à saude podem ser negociadas com as famílias, mantendo-se todo o rigor asséptico previsto, mas convidando, para o momento do parto, todos os sujeitos envolvidos na questão, dentre eles e em primeiro lugar a mãe, mas também o pai e, porque não dizer, também o bebê.

Expurguemos o cenário em que o parto é concebido apenas e simplesmente como ato cirúrgico, desprovido de subjetividade, em que o pai é mero coadjuvante e a mãe um sujeito passivo. Expurguemos, sobretudo, a medicina incapaz de ouvir o paciente (pense no significado do termo paciente!) e de negociar com ele os termos de sua prática, furtando-se de aconselhar os envolvidos e de partilhar decisões.

Há alguns anos, por sugestão de minha Tia Maria José, eu perguntei à minha avó Aurora Néri, hoje centenária, com quem ela havia aprendido a fazer partos. Ela me respondeu, simplesmente: “aprendi com Deus”. Os médicos formados pela tradição do parto humanizado chamam-nos a atenção para a naturalidade do parto e para a importância do aconchego do momento para toda a família. Convidam as futuras mães a assumirem seu papel no momento do nascimento, reforçando a necessidade da prática do exercício físico ao longo da gravidez, com destaque para a Yoga para gestantes. Informam às mães e pais quais são as práticas de partejar de que se tem notícia, negociam as melhores estratégias para a família, dão sugestões ao casal (ou à mãe e à avó, a depender do formato de família) e ajudam a definir as opções realizadas para que todos os envolvidos possam colaborar no momento do nascimento.

Há, evidentemente, muitos médicos que, mesmo filiados às práticas convencionais, conseguem ter sensibilidade para fazer todas as negociações. Mas, sabemos, em Pedro Leopoldo, eles são raridade. Esse não é um quadro exclusivo da cidade de Pedro Leopoldo. Muitos médicos, na atualidade, têm agendas lotadas e tenho notícias de que alguns costumam negociar preços à parte dos planos de saúde para realizar os partos nos horários e datas “ao gosto e vontade” das mães. Alguns mais radicais só realizam cesarianas e, sabemos, diferentemente do que é recomendado, não é a última, mas a única opção da parturiente.

Diferentemente do que nos dizem alguns especialistas, eles também se formam pela cultura social, não apenas pelas Universidades e clínicas. Eles também são transmissores de valores, concepções e crenças. Do contrário, um deles não teria dito a mim, quando eu realizei a minha primeira consulta pré-natal: “nada de ouvir conselhos de comadres, avós e vizinhas. Nada de desejos. E, também, não dê ouvidos a ninguém. O negócio, de agora em diante, é comigo”.

Façamos do parto algo bem diferente de um negócio. O parto também precisa também ser de responsabilidade da mãe e do pai, que, conscientes dos riscos inerentes ao nascimento de um bebê, assumem, junto com o/a médico/a ou outro profissional, a sua realização. Façamos dele mais do que um ato eminentemente médico e - masculino – não é ocasional que em muitos casos médicos ginecologistas e obstetras sejam homens!

Fica a sugestão de que convidemos para esse banquete as negociações possíveis, as responsabilidades cabíveis e os ingredientes e sabores dignos de uma ceia de Natal.

Júnia Sales
Enviado por Júnia Sales em 14/06/2008
Código do texto: T1034353
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