LEMBRANÇAS DE UMA NOITE DE SÃO JOÃO

Quase final dos anos cinqüenta. A moçada entre os treze e os quinze anos estava descobrindo novos rumos na vida, além dos estudos intensos e dos puxões de orelha, quando a caderneta escolar denunciava as notas baixas. A cidade era pequena, provinciana, de costumes rígidos, nítidas, mas veladas, divisões sociais. Acho que, por isso mesmo, a vida possuía um sabor original. O pouco que se conquistava parecia muito. Tinha gosto de vitória.

As comemorações juninas, por exemplo, aconteciam assim, com muita ingenuidade. Com exceção dos tradicionais bailes caipiras, concorridíssimos, as festinhas se realizavam, em sua maioria, em residências aproveitando-se os grandes quintais. E tudo com muito respeito, sem gandaias ou brincadeiras de mau gosto, pois a educação, em casa, era severa. A advertência era precisa, com um simples “comporte-se”. E se alguém se excedia, todos ficavam sabendo. O inconveniente nunca mais era convidado para qualquer coisa.

Foi numa véspera de São João que tudo aconteceu. Noite fria, céu estrelado, sem vento. Como os tempos eram outros, embora perigosos, os balões cruzavam os céus como se fossem estrelas caminhantes. E todos ficavam admirando aqueles pontinhos avermelhados que seguiam sabe Deus para onde. As famílias estavam lá, reunidas em torno de uma pequena fogueira. O quentão, preparado sob olhares severos, mais parecia um melado. Fogos, só os inofensivos. Aos adultos e experientes cabiam os rojões. Os de lágrimas, inclusive, que iluminavam a imensidão, conferindo-lhe um toque todo especial. Às crianças, sem discussões ou argumentações, apenas os traques.

A noite corria alegre, com todos os quitutes próprios, quando dois olhares se cruzaram. Surgia um flerte, daqueles que só aconteciam na adolescência, até com um misto de receio. Afinal, os pais dela estavam ali, bem ao lado, vigilantes. No início foi uma tímida troca de olhares. Ela até tentava disfarçar o ruge que lhe coloria artificialmente a face. Mas esse era o seu charme, pois a festa era assim mesmo!

Um primo da menina percebeu. Numa espécie de cumplicidade, sugeriu ao rapaz que trocassem de lugar. Meio trêmulo, ele foi para o outro lado da fogueira. No início, as palavras eram quase balbuciadas. Conversaram banalidades próprias da idade, até que alguém sugeriu improvisar uma quadrilha. E pela primeira vez suas mãos trêmulas se tocaram. Acho que as hesitações os traíram. Mas ninguém disse nada. Sentaram-se outra vez próximo ao fogo. Aproximaram-se aos poucos. Agora as palavras já fluíam mais rápidas. O clima romântico aumentava com a participação das estrelas que brilhavam silenciosas. Um rojão cortou os ares. O mastro se ergue. Era o ponto alto da festa. Aplausos, música, alegria. Tudo parecia encantador, diferente.

Uma voz avisou que a festa terminara, pois passava da meia noite. Todos se despediram. O jovem casal também. Cada um seguiu seu caminho em meio ao frio e à luz do luar. Aquele momento mágico terminou ali. Viram-se poucas vezes pelas ruas da cidade. Nunca mais trocaram qualquer palavra. E o tempo passou.

Outro dia ele passou naquela esquina onde ficava o quintal da festa de outros tempos. Ele não existe mais. Ergueram-se três garagens ao lado de um prédio de escritório. Nem sabe por que reviu aquelas imagens. Afinal já faz tanto tempo! Talvez fosse a magia inocente daquela época. Ou as simples “lembranças de uma noite de São João...”