FERROVIAS, TALVEZ, NUNCA MAIS.

Esta página participou do Mapa Cultural Paulista e foi aprovada nas fases locais e regionais. Hoje tenho a satisfação de apresentá-la aos leitores jauenses.

No dia vinte e cinco de agosto de 1964, uma sexta feira, ligeiramente fria, mas iluminada pelo sol de inverno, a velha locomotiva a vapor, de bitola estreita, pontualmente às três da tarde, deu seu último apito, na plataforma principal da “estação velha”, no centro de Jaú, exatamente como fizera ao longo de muitas décadas. A grande maioria da população nem prestou atenção no detalhe e a cidade prosseguiu seu ritmo de trabalho, como se nada estivesse acontecendo. Afinal, era só a despedida de um trenzinho antiquado, cujos trilhos até já atrapalhavam o trânsito e o desenvolvimento que chegava.

No prédio de estilo clássico, com grandes janelões madeira importada, piso de mármore já meio gasto, funcionários, carregadores, carroceiros, motoristas, alguns poucos curiosos, moradores próximos, contudo, não puderam deixar de sentir uma grande tristeza. Tenho certeza que algumas lágrimas até rolaram. Não era apenas a partida da antiga Maria Fumaça. Chegava ao fim toda uma época, o das ferrovias que transportaram tantas sacas de café, impulsionando todo o centro do estado, criando empregos nas fazendas que também começavam a desaparecer. Caíam os antigos cafezais e surgia a cana. Modificavam-se muitos estilos de vida. O automóvel e o transporte rodoviário ganhavam força. Os ônibus já faziam parte interligando as cidades vizinhas. Era possível ir a São Paulo em tempo bem menor, através da perigosa rodovia Washington Luís, ainda com pistas simples. Os coletivos só não tinham aquele charme especial dos vagões restaurantes. Mas, para que o trem? Era coisa de outra época.

A locomotiva da Estrada de Ferro Douradense, que já ostentava o emblema da saudosa Paulista, percorrera os imensos cafezais de Jaú e região, fazendo surgir estações hoje extintas como Pacheco, Posto Rangel e Pedro Alexandrino, além de interligar Itapuí, Bariri, Bocaina, até chegar a Dourado, que lhe emprestou o nome. Ressalvadas algumas raras ocasiões, chegava a Jaú pontualmente às oito horas. Eram dois ou três vagões de passageiros, às vezes um de carga e o chamado carro do chefe, que trazia encomendas miúdas, principalmente os filmes dos cinemas que também se foram. Era o progresso chegando!

Alguns meses depois, a máquina de bitola larga que transportava mercadorias a um custo bem baixo, também deixou de existir. Os trilhos foram arrancados e o asfalto os substituiu, surgindo novas avenidas. A estação do centro deu lugar à moderna rodoviária. Caíram, inclusive, os históricos limites que separavam a velha zona do meretrício, famosíssima nos anos quarenta e cinqüenta. Para nós, os moleques de então, existia sempre a advertência: nada de atravessar a linha do trem. Lá não tem nada pra criança!

Agora surgem notícias e comentários de que as ferrovias poderiam ajudar a resolver o problema das rodovias esburacadas e quase destruídas pelo tráfego intenso de caminhões pesados. Outras, em bom estado, mas com pedágios caríssimos que aumentam os fretes. Os trilhos gastos da velha Paulista, sem conservação, contudo, por onde passam trens cargueiros extensos, puxados por três, às vezes quatro, locomotivas a diesel, poluindo o ar já carregado de fuligem da cana queimada lembram, insistentemente, a dura e triste realidade que “ferrovias, talvez, nunca mais...”