O remédio extremo

Gostei e repasso.

Os ditadores não apreciam críticas, por quase sempre se julgarem perfeitos e donos da verdade. Há exceções, raras. Confirma-se a observação pela atitude de Fidel, ao fazer reparos a Caetano Veloso sobre a música ‘Baía de Guantânamo‘, inserida na nova coleção de gravações do cantor e compositor.

Castro interpreta que houve uma espécie de perdão do baiano aos EUA, ao dar entrevista a jornal paulista, em 26 de maio. O artista se confessou ‘100% mais‘ do lado dos Estados Unidos do que de Cuba em matéria de direitos humanos. Para Fidel, a declaração foi uma ‘prova de confusão e do engano semeados pelo imperialismo‘.

Disse mais o ex-todo-poderoso da ilha: ‘O músico brasileiro pediu perdão ao império por criticar as atrocidades cometidas naquela base naval em território ocupado de Cuba‘. Em ‘Baía de Guantânamo‘, os versos se referem à contradição de os Estados Unidos, ferrenhos defensores dos direitos humanos dentro de seu território, ignorarem esses princípios na base militar na ilha.

Caetano observou que, a despeito do mal-estar da situação irregular produzida pelos americanos em Cuba, em matéria de direitos humanos e questões de liberdade e respeito aos homens, os Estados Unidos são superiores a Cuba.

Sou absolutamente contrário à prisão de Guantânamo. Se os norte-americanos se julgam com direito a prender homens de outras nações por motivos diversos, com provas duvidosas, deviam fazê-lo em seu território. Cuba não pertence ao império de Tio Sam, a despeito de sucessivas e históricas investidas.

Como não me parece que Fidel deva censurar Caetano Veloso, seu simpatizante de muito tempo. Pareceria que Castro repete o regime militar brasileiro, em sua atitude, diante da imprensa e dos meios artísticos de modo geral.

Tampouco agrada a comparação entre direitos humanos aos Estados Unidos e Cuba. Não é conveniente estabelecer parâmetros em termos de crueldade, Quem é mais, ou quem é menos atentatório ao homem e as seus direitos. Aliás, muitos casos existem, suficientemente documentados, de agressões a cubanos praticados na ilha, desde a vitória da revolução.

Não há revolução, geralmente, boazinhas. A de Fidel não fugiu à regra. Seguiu o caminho como o identificador por Sartre, em livro publicado em 1961, após descrever o que vira em visita à ilha: ‘Uma sociedade quebra os seus ossos com golpes de martelo, demole as suas estruturas, derruba as suas instituições, transforma o regime de propriedade e redistribui a riqueza, orienta a produção em obediência a outros princípios, tenta aumentar a sua taxa de crescimento tão rapidamente quanto possível, e, no momento mesmo do mais radical destruição, busca construir, dar-se por enxerto um novo esqueleto.

O remédio é extremo: freqüentemente é preciso impô-lo pela violência‘.

O pensador francês assistiu a tudo bem de perto. Foi lá conhecer, viu e sentiu. Constatou e escreveu que a nova ordem era imposta pela força, pela violência, por mais que se desejasse ignorá-la ou desmenti-la.

O caso Valladare, supliciado na ilha, solto por intervenção internacional, é apenas um, dentre numerosos. Não foram poucos os que perderam a liberdade e a vida, os torturados. Quando os Estados Unidos tentaram opor-se aos novos tempos, encontraram dura resistência, e moderados cubanos, em boa parte, se rebelaram contra Washington.

Como prometera, em 6 de agosto de 1960, Fidel nacionalizou todas as propriedades norte-americanas importantes na ilha, inclusive refinarias de petróleo, instalações telefônicas e de energia. Em setembro, foi a vez dos bancos. Guerra é guerra.

Guantânamo, guantanamera. A música é de José Fernandes Diaz.

A letra é do herói nacional José Marti: ‘Con los pobres de la tierra/mi suerte echar/El arroyo de la sierra-me complace más que el mar‘.

Manoel Higino - Jornalista e escritor