Ditadura de Pensar

Ele lê. Lê em dias intercalados, em horas intermináveis, em doces lúbricos momentos de ócio mental e tédio físico. Ele não aparece. Pensam ele estar a dormir. Trabalhar. Namorar, talvez. Muito menos! Ele lê. Não escreve, lê. Não arrisca, lê. Ler traz sabedoria. Lendo saberá enfrentar o Mundo que o espera. Ou pelo menos um dia contará belamente sobre o que o rodeia. Sobre o que observa. Saberá pensar e articular melhor as palavras quando estiver pronto para partir estrada afora. Saberá o que é certo, e o que é errado. Lendo terá bases de infinitas conjunções de palavras minguando a todo momento em sua mente, que o farão ficar até confuso na escolha de qual usar em determinadas situações. Ele se sente feliz. Afinal, o que mais nos cobram em absoluto da vida, senão ler? E, se não nos cobram, o que mais nos pode preencher o vazio insignificante da existência em suas horas vagas e intermináveis férias, sem trabalho, sem amigos, sem família, sem ordem, sem amor? Somente a leitura. No momento de sua morte, certamente haverá alguma alma caridosa que lhe comentará:

- Conte-me, quais livros você já leu?

Ou, funcionalmente, pode fazer parte do discurso de despedida. Visto que ele não freqüentava a Igreja, e o povo não teria muito a comentar. Veja bem: religião também é leitura! Como pessoa não teria muito mais a ser acrescentado em sua história de vida. Ele lê. Almoça crônicas, janta contos, lancha poemas, desjejua reflexões, bebe livros. E regurgita anseios e fracassos que ainda não existem. Mas sua vida é ler. Afinal, todos acreditam na leitura. O Mundo acredita na leitura. Logo, todos irão admirá-lo por isso. No Planeta está para nascer alguém tão culto. A leitura o transforma. Fá-lo ser uma pessoa melhor. E é este seu grande pecado. Ser demais, agir de menos. Assim como o meu. Assim como o de todos nós.