O HOMEM ARANHA É ETERNO (EM MEMÓRIA DE JOÃO ROBERTO AMORIM SOARES)

Escrevo este texto imerso em um turbilhão de emoções que me suscitou o caso do assassinato do garoto João Roberto por policias militares do Rio de Janeiro. De quando em quando ocorrem fatos no Brasil que têm a dimensão de uma tragédia, e que os órgãos de imprensa, seja através da televisão, rádio, jornais ou revistas, repercutem ao extremo. Foi assim com a morte do garoto João Hélio, arrastado pelas ruas, amarrado ao cinto de segurança do carro de sua mãe, roubado por criminosos, também no Rio de Janeiro. Depois houve o assassinato de uma menina em São Paulo, atirada do sexto andar de um prédio, supostamente pelo pai ou pela madrasta.

Não obstante essas tragédias "eventuais" que nos deixam perplexos e nos tomam de supetão, tirando-nos de nosso cotidiano e de nossas preocupações com o universo particular que nos cerca, com família, trabalho, projetos para o futuro e outras preocupações de cunho individual, e nos escancaram de modo abrupto e rude uma realidade na qual estamos inseridos e está exposta em nossas caras, basta sair da casa e olhar o que acontece em torno de nós. Insistimos, porém, em nos fazer de "cegos, surdos e mudos". Essas tragédias têm muito a nos ensinar, pois elas não são episódios "eventuais", não são exceções à regra, não são "excepcionalidades". Elas são esperadas e, em verdade, acontecem com uma freqüência impressionante.

Por acaso é novidade que as polícias no Brasil são mal remuneradas, mal preparadas, mal equipadas? Por acaso é novidade no Brasil um alto indicie de homicídios dolosos, mortes violentas, latrocínios e toda espécie de violência? Alguém, por acaso, sente-se seguro de estar nas ruas à noite, de andar de ônibus, de parar seus veículos em semáforos a qualquer hora do dia?

Há muito tempo vivemos em um estado de medo permanente. Uma espécie de fobia coletiva, que longe de ser um delírio ou alucinação, tem uma razão de ser bastante concreta. Não se trata apenas de um aparelho policial mal preparado . Também não é meramente uma questão de má distribuição de renda. O que vivemos no Brasil de hoje (e já de há muito) tem a ver também com a total ausência de valores, respeito à vida, falta de educação, falta de escola. Se não ausência de valores, há aí uma inversão. Os laços familiares se deterioraram, não há mais respeito à figura do pai, do professor. Não há exemplos das autoridades. O país do "jeitinho", com muito jeito, conseguiu que a norma fosse burlar a "norma" (dar um "jeito", sabe como é?) e quem procura viver sem "levar vantagem em tudo" é um otário, um "mané".

Mas, voltando ao caso específico do assassinato do garoto João Roberto, toda sorte de absurdo e de dor exposta em razão do episódio é de causar perplexidade, ou mais ainda, não cabem ali palavras que possam expressar tudo de dolorido e estúpido que a morte do garoto suscita. Da dor inalcançável dos pais, dos sucessivos gritos de indignação do pai com relação à ação policial, das manifestações diante da perda de um filho de três anos, prestes a completar quatro. O cortejo fúnebre, o corpo do filho sepultado com a roupa do Homem-Aranha, as palavras do pai, ao descer o caixão na sepultura: "Papai te ama muito, muito, muito. Você não vai morrer dentro do meu coração, nunca vou te esquecer". O silêncio e as lágrimas desesperadas da mãe, o beijo de despedida no caixão da criança...

E a estupidez. A falta de preparo dos policias que metralharam um carro com uma mulher e duas crianças dentro. A estupidez e a cretinice das declarações das autoridades do Rio de Janeiro, seus pedidos de desculpas, suas falas condenatórias contra os dois policiais assassinos que mataram o menino. Do governador, ao chamar de "débeis mentais" e "assassinos" o cabo e o soldado envolvidos na ação desastrosa. Ora, a quem são subordinados esses policiais? Como é feito o preparo deles? O recrutamento? Será que são constantemente reciclados, têm acompanhamento psicológico? Sim, pois por tratar-se de uma atividade de extremo estresse, suponho que um acompanhamento psicológico constante deveria fazer parte dos cuidados do comando com a corporação. Enfim, são esses dois policias produto do acaso? Ocorreu ali um "incidente isolado"?

Diante de determinados fatos e verdades cabe apenas o silêncio. O silêncio que remete à reflexão e à ação. As autoridades do Rio de Janeiro, diante desse caso, deveriam calar e agir. Tudo que foi dito (e o que ainda será) foram apenas cretinices e falta de respeito para com a dor dos pais. Os dois policias que mataram o garoto João Roberto são "débeis mentais" e "assassinos", como de fato disse o governador. Mas eles fazem parte de uma instituição que de há muito está também doente, que não qualifica, não reconhece e nem tampouco assiste seus integrantes.

No mais, João Roberto Amorim Soares se foi. De modo abrupto e estúpido, uma criança de três anos foi assassinada. O registro da indignação, da dor, das lágrimas, do desespero da família, feito por jornais e televisões é insuficiente para dimensionar o tamanho da perda. João Roberto viverá na lembrança e no coração de seus pais. Sua roupinha de Homem-Aranha, com a qual ele foi sepultado, é uma metáfora do que representa o herói das revistas em quadrinhos, que luta contra vilões e malvados, e sempre vence. Que a lembrança de João Roberto não se apague de nossas memórias. Que a estupefação e a indignação momentânea que toma conta do Brasil agora não sucumba à estagnação e ao esquecimento, até que uma nova tragédia nos desperte de novo. Que ele viva nos corações de seus pais e nos nossos. Que sua morte não tenha sido em vão - afinal de contas, o Homem-Aranha nunca morre. Afinal de contas, o Homem-Aranha é eterno

Marcio de Souza
Enviado por Marcio de Souza em 25/07/2008
Código do texto: T1097018
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