UMA CRÔNICA PARA NÃO SER LIDA

O silêncio. Nunca fui tão eloqüente antes de me calar, em momento algum de minha vida havia sido tão claro quanto agora. Não falo mais. Nada tenho a declarar, e depois de me deparar com o vazio da mudez, o deserto da ausência de sons, passei a ser efetivo em minhas comunicações.

O breu. Nunca nada foi mais iluminado antes de fechar meus olhos. Não miro nada, nem ninguém. Não fito, tampouco sou notado. Desapareci no meio da multidão; sou invisível. Dir-se-ia que não existo.

Apaguei. Sumi junto com os grãos de areia que o vento soprou. Fragmentei-me em um sem número de pedaços que nada mais são. Sou vento, uma tempestade de areia que de quando em quando agride os olhos de incautos

E porque ainda escrevo? Há ainda alguma esperança para mim?

As letras são meu último refúgio de esperança. Não, esperança não. Essa palavra já não significa nada. Esperança, felicidade, amor, crença, certeza, comunhão, alegria, tristeza, compreensão... Nada!

A letra pela letra. O verbo pelo verbo, e só.

Uma única palavra me parece relevante: morte. Tão presente em minha vida, a morte. Já deveria ter morrido, quando aos três anos sofri um acidente e passei um período em coma.

Por que não morri ali?

Já tive ganas de me suicidar. Hoje não. Não tenho estrutura suicida (se é que isso existe). Descobri que escrever para mim é uma maldição, um infortúnio. Ou uma dádiva, porque é a escrita que me mantém.

Escrevo porque as letras me parecem tão vitais quanto o ar. Enquanto respirar, o coração bater, vou viver. Ou melhor, vou calar, vou cegar, esquivar-me. E minha mão direita me guia. Guia-me e me sustenta nesta corda bamba em que me equilibro com uma caneta na mão.

Não morri (ainda). Escrevo porque não morri. Escrevo para não morrer. Escrevo porque não falo, não vejo, não sou visto. Escrevo, apenas...

Marcio de Souza
Enviado por Marcio de Souza em 27/07/2008
Código do texto: T1099644
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